Há uma batalha silenciosa a decorrer nos corredores de Bruxelas e nas capitais europeias, uma guerra que não se trava com tanques ou mísseis, mas com contratos, gasodutos e uma corrida desesperada por alternativas. Enquanto os holofotes mediáticos se focam nas cimeiras e nos comunicados oficiais, a verdadeira disputa pelo futuro energético da Europa desenrola-se à sombra dos grandes titulares.
Nos últimos meses, uma investigação cruzando fontes em Lisboa, Madrid e Berlim revelou um mosaico de acordos bilaterais que estão a minar a tão propalada união europeia na resposta à crise. Países como a Alemanha assinaram contratos de longo prazo com fornecedores alternativos ao gás russo, criando uma nova dependência que pode durar décadas. Enquanto isso, na Península Ibérica, a aposta no hidrogénio verde avança a ritmos diferentes, com Portugal a tentar posicionar-se como hub europeu, mas a esbarrar na lentidão burocrática e na falta de infraestruturas de exportação.
O que poucos percebem é que esta transição energética está a criar novos vencedores e perdedores dentro da própria União Europeia. As regiões com acesso a portos de águas profundas e condições para energias renováveis estão a atrair investimentos maciços, enquanto outras ficam para trás. Em Portugal, o projeto do hidrogénio em Sines promete revolucionar a economia local, mas os especialistas alertam: sem uma rede de distribuição adequada e acordos de compra garantidos, podemos estar a construir uma solução à procura de um problema.
Nos bastidores, assiste-se a um jogo de xadrez geopolítico onde cada movimento conta. A recente descoberta de reservas de gás natural no Mar Negro e as negociações com a Argélia para aumentar as exportações para a Europa estão a redefinir alianças que pareciam sólidas. A França, tradicionalmente defensora da energia nuclear, vê-se agora a competir com a aposta alemã nas renováveis, numa divisão que reflete visões diferentes sobre o que significa soberania energética.
Em Portugal, a situação é particularmente complexa. A nossa dependência do gás natural para produção de eletricidade diminuiu significativamente, graças a um inverno chuvoso que encheu as barragens e a dias ventosos que alimentaram os parques eólicos. Mas esta aparente boa notícia esconde uma vulnerabilidade: continuamos extremamente dependentes das condições meteorológicas. Um verão seco ou um período sem vento pode rapidamente inverter este cenário, obrigando-nos a recorrer a centrais a gás ou a importações caras de eletricidade de Espanha.
A verdadeira revolução, contudo, pode estar a acontecer longe dos grandes projetos. Pequenas comunidades por todo o país estão a organizar-se em cooperativas energéticas, produzindo e partilhando a sua própria eletricidade. Em Trás-os-Montes, uma associação de municípios criou uma rede inteligente que permite otimizar o consumo entre várias localidades. No Algarve, hotéis e complexos turísticos estão a instalar painéis solares não só para reduzir custos, mas como argumento de marketing para turistas cada vez mais conscientes da sua pegada ecológica.
O maior desafio, no entanto, pode não ser técnico nem financeiro, mas social. A transição energética está a criar empregos em alguns setores enquanto os destrói noutros. Trabalhadores das centrais a carvão que fecharam nos últimos anos enfrentam dificuldades em reconverter as suas competências para as novas indústrias verdes. Ao mesmo tempo, a escassez de engenheiros especializados em energias renováveis está a levar empresas a recrutar no estrangeiro, num paradoxo difícil de explicar aos desempregados locais.
O que emerge desta investigação é um quadro complexo e por vezes contraditório. A Europa diz estar unida na resposta à crise energética, mas na prática cada país está a seguir o seu caminho, muitas vezes em detrimento dos vizinhos. Portugal tem oportunidades únicas, mas precisa de agir com mais rapidez e coordenação para não perder o comboio da transição energética. O futuro não será escrito apenas em Bruxelas ou nas capitais nacionais, mas também nas comunidades locais que estão a tomar nas suas mãos o poder energético.
O jogo das sombras: como a guerra energética está a redefinir a Europa