Há uma revolução silenciosa a acontecer nos bastidores do setor energético português. Enquanto os holofotes estão virados para os megaprojetos de hidrogénio verde e as gigantescas centrais solares, uma rede de pequenos produtores, cooperativas e startups está a reescrever as regras do jogo. Esta não é apenas uma história sobre transição energética, mas sobre uma mudança de poder que está a desafiar os monopólios históricos.
Nos últimos meses, dezenas de municípios têm assinado acordos diretamente com produtores de energia renovável, contornando os intermediários tradicionais. Em Trás-os-Montes, uma cooperativa de cidadãos está a financiar parques eólicos comunitários que garantem preços fixos durante 15 anos. No Alentejo, agricultores estão a alugar os telhados das suas adegas para painéis solares, criando um rendimento extra que está a salvar negócios familiares centenários.
Mas esta democratização da energia tem os seus obstáculos. A burocracia continua a ser um pesadelo para quem quer produzir e vender energia. Os processos de licenciamento podem demorar anos, e as regras mudam com frequência desconcertante. Enquanto isso, os grandes grupos energéticos estão a adaptar-se, comprando startups promissoras e criando as suas próprias divisões de energia descentralizada.
O verdadeiro ponto de viragem pode estar nos dados. Novas plataformas de blockchain estão a permitir transações peer-to-peer de energia, onde o vizinho com painéis solares pode vender diretamente ao vizinho sem eles. Em Lisboa, já há bairros inteiros a testar estes sistemas, criando micro-redes inteligentes que podem funcionar autonomamente em caso de falha na rede principal.
O financiamento é outra peça crucial deste puzzle. Bancos tradicionais continuam relutantes em emprestar para projetos de pequena escala, mas surgiram fundos especializados que estão a injetar milhões em projetos comunitários. O maior desafio? Encontrar engenheiros especializados – há uma escassez crítica de profissionais qualificados que está a atrasar projetos por todo o país.
O que está em jogo vai além da sustentabilidade ambiental. Estamos a falar de soberania energética, de resiliência comunitária e de uma redistribuição de riqueza que pode transformar regiões inteiras. As autarquias mais visionárias já perceberam que controlar a produção de energia significa controlar o desenvolvimento económico local.
Nos próximos anos, veremos batalhas jurídicas importantes sobre quem tem direito a produzir e vender energia. Veremos cooperativas a desafiar gigantes em tribunal. E veremos, provavelmente, o surgimento de novos players que hoje nem imaginamos. A energia deixou de ser apenas um serviço público – tornou-se um campo de batalha económico onde se definem os vencedores e perdedores da próxima década.
Enquanto o governo fala em metas e estratégias nacionais, no terreno a realidade é mais complexa e interessante. São os técnicos municipais, os agricultores empreendedores, os engenheiros idealistas e os investidores de risco que estão a construir, peça por peça, um novo sistema energético. Um sistema menos centralizado, mais resiliente e, potencialmente, mais justo.
Esta transição não será linear nem pacífica. Haverá resistência dos interesses estabelecidos, erros caros e projetos que falharão. Mas a direção está traçada: o poder está a mudar de mãos, e a energia nunca mais será a mesma em Portugal.
O jogo das sombras: como a energia verde está a mudar o poder em Portugal