A luz ao fundo do túnel energético português parece mais brilhante do que nunca, mas será que estamos a ver o reflexo de um comboio a aproximar-se? Nos últimos meses, os debates sobre o mix energético nacional têm-se intensificado, com vozes a clamar por tudo, desde a aposta total nas renováveis até à reintrodução do nuclear – um tema que parecia adormecido desde os tempos de Chernobyl.
Enquanto isso, os preços da eletricidade continuam a fazer os consumidores suar mais do que um gerador a carvão em pleno agosto. A dependência do gás natural, ainda que em declínio, mantém-nos amarrados aos caprichos geopolíticos de Moscovo e Argel. A guerra na Ucrânia mostrou-nos, de forma crua, como um pipeline pode ser tão perigoso como um míssil.
As renováveis, essa menina bonita da transição energética, têm os seus segredos sujos. Os parques eólicos multiplicam-se como cogumelos após a chuva, mas ninguém fala dos impactos nas aves migratórias ou na paisagem alentejana. A solar avança a passos largos, com megaprojetos a surgir onde antes havia sobreiros e azinheiras. Será que estamos a trocar um problema por outro?
O hidrogénio verde tornou-se a palavra mágica nos corredores de Bruxelas e Lisboa. Todos falam dele como a solução milagrosa, mas a verdade é que ainda cheira a laboratório mais do que a mercado. Os investimentos anunciados são astronómicos, mas os resultados tangíveis ainda se escondem atrás de relatórios de consultoras e comunicados de imprensa.
E o cidadão comum? Esse continua a pagar a fatura mais salgada da história recente, enquanto ouve promessas de um amanhã mais verde e barato. As comunidades energéticas começam a germinar um pouco por todo o país, mas será que conseguiram desafiar os gigantes estabelecidos? A revolução pode estar a acontecer, mas a maioria de nós ainda não recebeu o memorando.
O armazenamento de energia permanece o calcanhar de Aquiles desta transição. As baterias evoluem, mas não ao ritmo necessário. As barragens com bombagem são uma solução elegante, mas dependem da água que cada vez mais escasseia. Estaremos a construir um castelo de cartas energético?
A eficiência energética devia ser a estrela rock desta festa, mas continua nos bastidores. Edifícios mal isolados, indústrias com processos obsoletos e transportes ainda viciados em petróleo. A tecnologia existe, a vontade política oscila conforme as sondagens.
O gás natural liquefeito chegou a Sines como um salvador em tempos de crise, mas trouxe consigo perguntas incómodas sobre a sustentabilidade real do chamado 'combustível ponte'. Será uma ponte para lado nenhum?
Os leilões de capacidade renovável transformaram-se num campo de batalha entre gigantes internacionais e players nacionais. Os números são impressionantes, mas os prazos de concretização alongam-se como sombras ao final da tarde.
E no meio de tudo isto, as alterações climáticas não dão tréguas. Secas mais longas, tempestades mais violentas, padrões climáticos imprevisíveis. A energia que precisamos para combater as mudanças climáticas está, ironicamente, a contribuir para elas durante a sua produção.
O futuro energético português parece um puzzle com peças de vários jogos diferentes. Resta saber se conseguiremos montar a imagem completa antes que o tempo esgote.
O futuro da energia em Portugal: entre renováveis, nuclear e a sombra da Rússia
