Portugal enfrenta um dos maiores desafios da sua história energética. Enquanto o país avança a passos largos na transição para as energias renováveis, a realidade mostra que ainda estamos longe da independência energética. Os dados mais recentes revelam que continuamos a importar mais de 70% da energia que consumimos, um número que deve fazer reflectir qualquer estratega nacional.
A aposta nas renováveis tem sido notável, com destaque para a energia eólica e solar. Os parques eólicos nacionais já produzem electricidade suficiente para abastecer milhões de portugueses, enquanto a energia solar vive um boom sem precedentes. Só no último ano, a capacidade instalada de solar fotovoltaico aumentou mais de 40%, um crescimento que coloca Portugal na vanguarda europeia.
No entanto, esta transição verde esconde uma realidade menos confortável. As intermitências das renováveis – o sol não brilha sempre, o vento não sopra constantemente – obrigam a manter centrais a gás em standby, muitas vezes alimentadas por gás natural importado. Esta dependência torna-nos vulneráveis às flutuações dos mercados internacionais e às crises geopolíticas.
O hidrogénio verde surge como a grande promessa para resolver este dilema. Portugal possui condições excepcionais para produzir hidrogénio através da electrólise da água, usando electricidade renovável excedentária. Os projectos piloto já em marcha no Sines Industrial e Logístico Park podem colocar o país na liderança desta nova revolução energética.
Mas os desafios são enormes. Desenvolver uma economia do hidrogénio exige investimentos avultados em infra-estruturas, desde electrolisadores até redes de distribuição dedicadas. Além disso, compete-nos criar um mercado consumidor para este novo vector energético, convencendo indústrias pesadas e sector dos transportes a fazer a transição.
O papel do cidadão comum nesta equação é fundamental. A descarbonização das habitações, através da instalação de painéis solares e bombas de calor, e a electrificação dos transportes são peças chave do puzzle. Os programas de apoio governamentais têm tido uma adesão recorde, mas ainda insuficiente para atingir as metas nacionais.
A crise energética desencadeada pela guerra na Ucrânia veio demonstrar a urgência desta transição. Os preços da electricidade atingiram níveis historicamente elevados, pressionando famílias e empresas. Esta situação acelerou a tomada de consciência sobre a necessidade de reduzir a dependência externa e acelerar a transição energética.
Olhando para o futuro, Portugal tem a oportunidade única de se tornar um exportador de energia verde. A localização geográfica privilegiada, com forte exposição solar e vento, e a proximidade às rotas marítimas internacionais, colocam-nos numa posição estratégica para abastecer o norte da Europa com hidrogénio verde e outros combustíveis sintéticos.
Contudo, este potencial só se concretizará com políticas públicas consistentes, investimento privado massivo e uma visão estratégica de longo prazo. As próximas décadas serão decisivas para determinar se Portugal se tornará realmente numa potência energética verde ou se continuará refém das volatilidades dos mercados internacionais de combustíveis fósseis.
A revolução energética em curso é mais do que uma questão técnica ou económica – é uma transformação civilizacional que redefine a nossa relação com o planeta e com as gerações futuras. Cabe-nos a todos participar activamente nesta mudança, seja através das escolhas de consumo, do investimento em eficiência energética ou da pressão por políticas mais ambiciosas.
O caminho está traçado, mas o percurso exige determinação, inovação e, acima de tudo, a coragem de abandonar velhos paradigmas energéticos. O futuro energético de Portugal está a ser escrito agora – e todos temos um papel nesta história.
O futuro da energia em Portugal: entre a transição verde e a dependência externa
