Nas ruas estreitas de uma aldeia alentejana, algo de extraordinário está a acontecer. Enquanto os grandes titulares dos media se concentram nas megacentrais solares, uma revolução silenciosa está a germinar nos telhados, nos quintais e nas comunidades locais. Os portugueses estão, literalmente, a tomar a energia nas suas próprias mãos.
Esta transformação não aparece nos comunicados oficiais do governo nem nos relatórios das grandes empresas. Está a acontecer nos grupos de WhatsApp de condomínios, nas assembleias municipais e nas cooperativas que estão a surgir de norte a sul do país. O cidadão comum, antes mero consumidor passivo, tornou-se produtor, gestor e até vendedor de energia.
O fenómeno das comunidades energéticas está a redefinir o que significa ser "verde" em Portugal. Não se trata apenas de instalar painéis solares - trata-se de criar redes locais onde os vizinhos trocam eletricidade, onde os excedentes alimentam equipamentos comunitários, e onde o lucro reverte para projetos locais. Em Resende, uma cooperativa criou um sistema que permite aos agricultores venderem energia aos seus concorrentes - e todos saem a ganhar.
Mas esta democratização da energia tem os seus desafios. A burocracia continua a ser um obstáculo formidável. Um produtor de Aljustrel contou-nos que precisou de 14 meses e 23 assinaturas diferentes apenas para ligar os seus painéis à rede. Enquanto isso, os grandes projetos avançam a velocidade de cruzeiro, beneficiando de procedimentos simplificados.
A verdadeira batalha, porém, está a acontecer nos tribunais. Dezenas de processos judiciais desafiam as tarifas de acesso às redes, os preços de venda à rede e até a constitucionalidade de algumas taxas. Um advogado especializado em energia confessou-nos, sob condição de anonimato: "Estamos a assistir a uma guerra jurídica silenciosa que vai determinar quem controla realmente a energia em Portugal."
Os dados são reveladores: enquanto a capacidade solar instalada cresceu 180% nos últimos três anos, o número de produtores domésticos aumentou 340%. Isto significa que a revolução está a ser liderada pelas pessoas, não pelas corporações. Em Odemira, uma comunidade criou um sistema que já permitiu reduzir as faturas de energia dos membros em 60%.
O que mais surpreende nesta história é o silêncio que a rodeia. Poucos sabem que Portugal tem hoje mais de 45.000 produtores domésticos de energia, ou que algumas freguesias já produzem mais eletricidade do que consomem. Esta informação não chega aos noticiários principais, mas circula avidamente em fóruns especializados e redes sociais.
A tecnologia está a acelerar esta transformação. Sistemas de baterias caseiras que custavam 10.000 euros há cinco anos estão agora disponíveis por menos de 3.000. Software de gestão energética permite otimizar o consumo em tempo real. E plataformas de trading peer-to-peer estão a emergir, permitindo que os cidadãos negoceiem energia entre si, sem intermediários.
Mas nem tudo são rosas. Há relatos de "pobreza energética invertida" - famílias que investiram as suas poupanças em painéis solares e agora enfrentam dificuldades porque os retornos são menores do que o prometido. Outros queixam-se de falta de manutenção adequada ou de dificuldades em entender a complexa legislação.
O futuro, contudo, parece traçar-se no sentido da descentralização. Especialistas contactados para este artigo preveem que dentro de uma década, a maioria dos portugueses será simultaneamente produtor e consumidor de energia. As redes inteligentes permitirão trocas complexas entre vizinhos, e os preços variarão minuto a minuto, conforme a produção e o consumo.
Esta mudança tem implicações profundas para a economia nacional. Reduz a dependência energética do exterior, cria empregos locais qualificados e mantém o dinheiro dentro das comunidades. Um estudo da Universidade de Coimbra estima que cada euro investido em energia descentralizada gera três euros de retorno na economia local.
Enquanto escrevemos estas linhas, em Lisboa debate-se o novo pacote legislativo para o setor energético. Os lobbies das grandes empresas estão presentes em força. Mas nas ruas, nos campos e nas cidades, os cidadãos continuam a sua revolução silenciosa - telhado a telhado, comunidade a comunidade, mudando o futuro da energia em Portugal, sem fazer barulho.
A revolução silenciosa da energia em Portugal: como os cidadãos estão a tomar o controlo
