O paradoxo do crédito em Portugal: como os portugueses estão a navegar entre taxas altas e necessidades crescentes

O paradoxo do crédito em Portugal: como os portugueses estão a navegar entre taxas altas e necessidades crescentes
Num café no centro de Lisboa, três amigos discutem os seus planos para o futuro. Maria quer comprar casa, João precisa de trocar de carro, e Pedro sonha em abrir o seu próprio negócio. O que une estas três histórias aparentemente distintas? O crédito – ou melhor, a complexa relação que os portugueses mantêm com o financiamento num momento de taxas de juro elevadas e incerteza económica.

Esta não é apenas uma conversa de café. É o reflexo de uma realidade que atravessa o país, onde as decisões sobre crédito se tornaram mais complicadas do que nunca. Enquanto o Banco de Portugal alerta para o aumento do endividamento das famílias, muitos portugueses encontram-se num dilema: adiar sonhos ou enfrentar custos de financiamento que não viam há mais de uma década.

O mercado imobiliário continua a ser o grande motor do crédito em Portugal. Contudo, algo mudou profundamente. As taxas Euribor a 12 meses, que estiveram em território negativo durante anos, dispararam para níveis que deixam muitos potenciais compradores de fora do mercado. "Estamos a assistir a uma mudança de paradigma", explica um analista financeiro que prefere manter o anonimato. "As pessoas que compraram casa entre 2016 e 2021 beneficiaram de condições excecionais. Agora, o cenário é completamente diferente."

Mas a história não termina aqui. Enquanto alguns se retraem, outros encontram formas criativas de contornar as dificuldades. O crédito pessoal para consolidar dívidas tem vindo a aumentar, assim como os empréstimos para educação e formação profissional. Num mercado de trabalho em transformação, muitos portugueses estão a investir na sua requalificação, mesmo que isso signifique contrair novas dívidas.

As pequenas e médias empresas enfrentam os seus próprios desafios. O acesso ao crédito tornou-se mais burocrático e caro, obrigando muitos empresários a repensar estratégias. "Antes, conseguíamos financiamento para projetos de expansão em duas semanas. Agora, o processo demora meses e as condições são muito mais restritivas", conta um empresário do setor da restauração no Porto.

O setor bancário, por seu lado, navega entre a necessidade de conceder crédito e os imperativos de gestão de risco. Os spreads médios nas hipotecas subiram, mas menos do que seria de esperar dada a evolução das taxas de juro. Isto revela uma concorrência feroz entre bancos por clientes de qualidade, num mercado onde cada empréstimo conta.

A digitalização trouxe novos players para este jogo. As fintechs de crédito estão a ganhar terreno, oferecendo processos mais ágeis e, em alguns casos, condições mais competitivas. No entanto, a sua quota de mercado ainda é residual face aos bancos tradicionais. A questão que se coloca é: até quando?

Os dados mais recentes mostram que os portugueses estão a tornar-se mais cautelosos. A poupança aumentou ligeiramente, e muitos estão a adiar grandes compras. Contudo, esta prudência tem um custo económico. O consumo interno, motor fundamental da economia portuguesa, mostra sinais de abrandamento.

O crédito ao consumo, outrora em crescimento constante, estabilizou. Os portugueses estão a pensar duas vezes antes de contrair empréstimos para férias, eletrodomésticos ou outros bens não essenciais. Esta mudança de comportamento reflete não apenas as condições financeiras mais apertadas, mas também uma certa ansiedade sobre o futuro.

No meio deste cenário complexo, emergem histórias de resiliência e adaptação. Famílias que renegociam créditos, jovens que adiam a saída da casa dos pais, reformados que complementam pensões com pequenos empréstimos. Cada uma destas histórias conta um pedaço da realidade portuguesa atual.

O que nos espera no futuro próximo? Os especialistas dividem-se. Alguns preveem uma normalização gradual das taxas de juro, outros alertam para a possibilidade de nova subida. O certo é que a relação dos portugueses com o crédito mudou para sempre. Aprendemos que o dinheiro barato não dura para sempre, e que o planeamento financeiro a longo voltou a ser essencial.

Enquanto isso, nas ruas de Lisboa, Porto ou Faro, as conversas sobre crédito continuam. São discussões que misturam números com emoções, cálculos com sonhos. Porque no fundo, o crédito nunca foi apenas sobre dinheiro – é sobre a possibilidade de construir o futuro que desejamos, mesmo quando as condições não são as ideais.

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