O lado sombrio do crédito fácil: como os empréstimos rápidos estão a criar uma geração endividada

O lado sombrio do crédito fácil: como os empréstimos rápidos estão a criar uma geração endividada
Nas ruas de Lisboa e Porto, os anúncios prometem dinheiro em 24 horas sem perguntas. Nas redes sociais, a publicidade invade os feeds com soluções mágicas para problemas financeiros. Enquanto os bancos tradicionais apertam os critérios, uma nova indústria floresce nas sombras do sistema financeiro português: o crédito ao consumo de alto risco. Mas qual é o preço real desta aparente solução?

A investigação revela que os portugueses contraíram mais de 3 mil milhões de euros em crédito pessoal no último ano, com taxas de juro que chegam aos 20% em alguns casos. Os dados do Banco de Portugal mostram um aumento preocupante do endividamento das famílias, especialmente entre os jovens adultos entre os 25 e os 35 anos. São estes os principais alvos das campanhas agressivas de marketing digital que transformam o crédito num produto tão banal como um café.

Por trás das plataformas digitais com interfaces amigáveis escondem-se estruturas financeiras complexas, muitas vezes sediadas em paraísos fiscais. A maioria dos consumidores não percebe que está a contrair empréstimos com empresas que operam numa zona cinzenta da regulamentação. Os contratos, escritos em letra pequena que ninguém lê, contêm cláusulas que permitem alterações unilaterais das condições.

A história da Maria, 32 anos, designer gráfica, ilustra este fenómeno. Começou com um empréstimo de 2.000 euros para comprar um computador melhor. Dois anos depois, deve 8.000 euros a cinco empresas diferentes. 'É como uma bola de neve', confessa. 'Pego num crédito para pagar outro, e assim vou enterrando-me cada vez mais.' O seu caso não é único - as associações de defesa do consumidor registam centenas de situações semelhantes todos os meses.

Os especialistas alertam para o que chamam de 'financeirização do quotidiano'. O crédito deixou de ser um instrumento para aquisição de bens essenciais e transformou-se num mecanismo de financiamento do estilo de vida. Viagens, jantares, roupa de marca - tudo pode ser parcelado em prestações mensais que parecem inofensivas até se somarem. O resultado é uma geração que vive permanentemente no vermelho, presa num ciclo de endividamento que parece não ter fim.

A regulação tenta acompanhar esta realidade em mudança acelerada. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) aumentou a fiscalização sobre as empresas de crédito, mas reconhece as dificuldades. 'O digital criou novos desafios', admite um inspector que prefere não ser identificado. 'As empresas mudam de nome, de site, de estratégia mais rápido do que conseguimos legislar.'

Enquanto isso, nas universidades, surgem movimentos de educação financeira liderados por estudantes que foram vítimas deste sistema. Criaram grupos de apoio mútuo e workshops para ensinar colegas a gerir orçamentos e evitar as armadilhas do crédito fácil. 'Aprendemos da pior maneira', diz um dos fundadores, 'agora queremos que outros não cometam os mesmos erros.'

O panorama não é totalmente sombrio. Algumas fintechs estão a desenvolver soluções inovadoras que combinam tecnologia com responsabilidade financeira. Oferecem empréstimos com taxas transparentes, programas de educação financeira e ferramentas de controlo de gastos. Estas empresas provam que é possível conciliar negócio com ética, embora representem ainda uma minoria no sector.

O que está em jogo vai além das finanças pessoais. Economistas alertam que o endividamento excessivo das famílias pode tornar-se num problema macroeconómico. Em caso de crise, milhares de portugueses não terão margem de manobra, o que pode agravar qualquer recessão. A solução, defendem, passa por uma combinação de regulação mais eficaz, educação financeira desde a escola e uma mudança cultural que desglamourize o crédito.

Nas prateleiras dos supermercados, ao lado dos chocolates e das revistas, continuam a aparecer propostas de cartões de crédito. Nas aplicações de telemóvel, as notificações oferecem 'dinheiro extra' com um simples toque. O desafio, para cada um de nós, é aprender a dizer não a estas tentações modernas. Porque por trás da facilidade imediata esconde-se frequentemente uma armadilha de longo prazo que pode comprometer não apenas as finanças, mas a liberdade e as escolhas de vida.

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