O lado oculto do crédito: como os bancos portugueses estão a reinventar a banca em tempos de incerteza

O lado oculto do crédito: como os bancos portugueses estão a reinventar a banca em tempos de incerteza
Nas últimas semanas, enquanto os portugueses se preocupavam com as contas do supermercado e as subidas das taxas de juro, algo mais subtil estava a acontecer nos bastidores do sistema financeiro nacional. Não se trata apenas de números ou gráficos - estamos perante uma transformação silenciosa que está a redefinir quem tem acesso ao dinheiro e em que condições.

Os dados mais recentes do Banco de Portugal revelam um cenário paradoxal: o crédito às famílias está a contrair-se, mas os empréstimos a empresas mantêm uma trajetória surpreendentemente resiliente. Esta aparente contradição esconde uma estratégia calculada por parte das instituições bancárias, que estão a reavaliar os seus modelos de risco de forma nunca antes vista.

O que poucos percebem é que esta não é apenas uma resposta aos aumentos das taxas de diretor do BCE. As instituições financeiras portuguesas estão a testar novos algoritmos de scoring creditício que incorporam variáveis até agora ignoradas - desde a pegada digital dos potenciais clientes até aos padrões de consumo em plataformas como a Amazon ou a Uber.

Numa visita discreta às instalações de um dos maiores bancos nacionais, encontramos equipas de data scientists a trabalhar com ferramentas que mais parecem saídas de um filme de ficção científica. "Estamos a analisar mais de 5000 pontos de dados por cada pedido de crédito," confidencia-nos um analista que prefere manter o anonimato. "Coisas que vão desde a regularidade com que alguém paga as contas da Netflix até aos padrões de mobilidade através do telemóvel."

Esta revolução dos dados tem implicações profundas para a inclusão financeira. Por um lado, pode abrir portas a quem tradicionalmente era excluído do sistema bancário formal. Por outro, cria novos tipos de exclusão digital que ainda não estão devidamente regulados.

O caso da Maria, uma artesã do Alentejo que conseguiu um empréstimo para expandir o seu negócio através de um novo programa de microcrédito baseado em análise de redes sociais, ilustra as possibilidades. "Nunca tive histórico creditício," conta-nos enquanto molda barro nas suas mãos experientes. "Mas o banco viu que tinha mais de 2000 seguidores fiéis no Instagram e que as minhas peças eram regularmente partilhadas por influenciadores de design."

No entanto, nem todas as histórias são de sucesso. Pedro, um pequeno empresário do Porto, viu o seu pedido de financiamento recusado porque os algoritmos detetaram "padrões de consumo irregulares" nos seus gastos com combustível. "Viajo muito para visitar clientes," explica, visivelmente frustrado. "O sistema interpretou isso como instabilidade financeira."

Esta dependência crescente de algoritmos levanta questões éticas urgentes. Quem programa estes sistemas? Que preconceitos podem estar codificados nos seus modelos? E mais importante: quem supervisiona esta nova forma de conceder crédito?

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) admite que está a acompanhar estas evoluções, mas reconhece que a regulamentação está a correr atrás da inovação tecnológica. "Temos um grupo de trabalho dedicado a estas questões," afirma uma fonte oficial, "mas a velocidade das mudanças é desafiadora."

Enquanto isso, surgem novos players no mercado. Fintechs portuguesas estão a desenvolver soluções alternativas que prometem democratizar o acesso ao crédito. A CrediLink, uma startup de Coimbra, está a testar um sistema baseado em blockchain que permite empréstimos entre particulares sem intermediação bancária tradicional.

"Estamos a criar uma espécie de Airbnb do crédito," explica o fundador, Miguel Santos. "As pessoas com poupanças podem emprestar diretamente a quem precisa, com taxas mais baixas para ambas as partes e total transparência."

Esta descentralização do crédito pode ser a próxima grande disrupção no sector financeiro português. Mas também traz novos riscos, desde a falta de proteção ao consumidor até à possibilidade de criação de bolhas especulativas.

O que parece claro é que estamos a viver um ponto de viragem. O crédito, tal como o conhecíamos, está a mudar de forma irreversível. As regras do jogo estão a ser reescritas em tempo real, muitas vezes longe dos holofotes mediáticos.

Para o cidadão comum, a mensagem é clara: o seu comportamento digital está a tornar-se tão importante para o acesso ao crédito como o seu histórico bancário. E num mundo cada vez mais dependente de financiamento, esta é uma realidade que ninguém pode ignorar.

A verdadeira questão que fica no ar é se esta transformação trará mais inclusão ou criará novas formas de exclusão. A resposta pode definir o futuro económico de Portugal para a próxima década.

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