O lado oculto do crédito ao consumo: como os bancos portugueses estão a reinventar o negócio

O lado oculto do crédito ao consumo: como os bancos portugueses estão a reinventar o negócio
Nos últimos meses, enquanto os portugueses se debatem com a inflação e o custo de vida, os bancos nacionais têm estado a operar uma transformação silenciosa no mercado do crédito ao consumo. Esta não é apenas uma história sobre taxas de juro ou spreads bancários - é um retrato de como as instituições financeiras estão a adaptar-se a uma nova realidade económica, muitas vezes à margem do escrutínio público.

Nas salas de reuniões dos principais grupos bancários, discute-se algo que vai além dos tradicionais empréstimos pessoais. A aposta agora está em produtos híbridos que misturam características de crédito com serviços de subscrição, criando relações de longo prazo com os clientes que vão muito além de uma simples transação financeira. É uma estratégia que alguns analistas já apelidaram de "netflixização" do crédito - pagamentos mensais fixos que dão acesso a um pacote de serviços.

O que torna esta transformação particularmente interessante é o timing. Num período em que as famílias portuguesas enfrentam pressões financeiras sem precedentes, os bancos estão a descobrir novas formas de rentabilizar o crédito. Não se trata apenas de emprestar dinheiro, mas de criar ecossistemas financeiros onde o cliente fica "preso" através de múltiplos produtos interligados.

Um dos desenvolvimentos mais curiosos tem sido a aproximação entre o crédito tradicional e o mundo das fintechs. Enquanto há cinco anos os bancos viam estas startups como concorrentes, hoje estão a absorver as suas metodologias e tecnologias para criar produtos mais ágeis e personalizados. O resultado são linhas de crédito pré-aprovadas que aparecem nas apps bancárias com base no comportamento do utilizador, quase como se fossem recomendações da Netflix.

Mas há um lado menos visível nesta história: a recolha e utilização de dados. Para oferecer estes créditos "sob medida", os bancos estão a analisar padrões de consumo, hábitos de pagamento e até informações de geolocalização. É uma mina de ouro de informação que está a redefinir não apenas como se concede crédito, mas também a quem se concede.

Esta nova abordagem está a criar divisões interessantes no mercado. Enquanto alguns clientes beneficiam de condições mais favoráveis graças aos seus "bons hábitos financeiros" digitais, outros encontram-se excluídos deste novo paradigma. São os chamados "invisíveis digitais" - pessoas que, por não terem uma pegada digital suficientemente extensa, não conseguem aceder aos melhores produtos.

O crédito ao consumo está também a tornar-se mais segmentado. Já não existem apenas empréstimos pessoais genéricos - há agora produtos específicos para reformados, para jovens profissionais, para freelancers, cada um com as suas particularidades e condições. Esta especialização permite aos bancos ajustar o risco de forma mais precisa, mas também cria uma complexidade que pode ser difícil de navegar para o consumidor comum.

Um dos aspectos mais controversos desta transformação é a velocidade com que está a ocorrer. Enquanto os reguladores tentam acompanhar as mudanças, os bancos estão a testar os limites do que é possível dentro do quadro legal existente. Há uma corrida silenciosa para dominar este novo mercado, com cada instituição a tentar encontrar o seu nicho antes que a concorrência o faça.

O que significa tudo isto para o consumidor português? Por um lado, há mais opções e potencialmente melhores condições para quem tem um perfil digital favorável. Por outro, há o risco de uma fragmentação do mercado que pode deixar alguns grupos em desvantagem. E há, claro, a questão da privacidade - até que ponto estamos dispostos a partilhar os nossos dados em troca de condições de crédito mais favoráveis?

Esta não é apenas uma história sobre bancos e crédito. É um reflexo de como a tecnologia está a transformar todas as indústrias, incluindo as mais tradicionais. E é também um aviso sobre a necessidade de um debate público mais amplo sobre os limites desta transformação.

Nos próximos meses, este tema deverá ganhar ainda mais relevância. Com a economia portuguesa a enfrentar desafios significativos, a forma como as famílias acedem ao crédito pode fazer a diferença entre conseguir navegar as dificuldades ou ficar para trás. E enquanto isso acontece, os bancos continuam a escrever, em silêncio, o próximo capítulo desta história.

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