O lado obscuro dos créditos rápidos: como as fintechs portuguesas estão a transformar o endividamento em negócio bilionário

O lado obscuro dos créditos rápidos: como as fintechs portuguesas estão a transformar o endividamento em negócio bilionário
Nas sombras do sistema financeiro português, um novo ecossistema floresce silenciosamente. Não são os bancos tradicionais, esses gigantes de pedra e vidro que conhecemos há décadas. São empresas ágeis, digitais, que operam a partir de escritórios modernos em Lisboa e Porto, mas cujo impacto se estende a cada canto do país. As fintechs de crédito rápido estão a reescrever as regras do empréstimo pessoal, e nem todos estão a ganhar com esta revolução.

A investigação do Jornal Económico revelou que o volume de crédito pessoal concedido por estas plataformas digitais cresceu 217% nos últimos três anos. Enquanto os bancos tradicionais apertam os critérios de concessão, estas empresas oferecem dinheiro em 15 minutos, sem perguntas constrangedoras, sem análise profunda da situação financeira do cliente. A conveniência tem um preço escondido que muitos só descobrem quando já é tarde demais.

Maria, uma enfermeira de 32 anos do Porto, é uma dessas vítimas silenciosas. "Pedi 500 euros para comprar uma máquina de lavar roupa que avariou", conta, com a voz a tremer. "Em seis meses, devia quase 1200 euros. Os juros eram tão altos que nem percebi como aconteceu." A sua história repete-se em milhares de portugueses que, atraídos pela facilidade do processo, acabam presos numa espiral de dívida da qual é difícil escapar.

Os dados da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários mostram que as queixas contra empresas de crédito rápido aumentaram 184% no último ano. Muitos clientes denunciam práticas agressivas de cobrança, cláusulas contratuais obscuras e taxas de juro que chegam a superar os 20% mensais. A legislação portuguesa estabelece um limite para as taxas de juro, mas as fintechs encontram formas criativas de contornar estas restrições através de "taxas de processamento", "comissões de análise" e outros encargos disfarçados.

O negócio é lucrativo - demasiado lucrativo. A ActualSales, uma das maiores plataformas do sector, reportou lucros de 8,3 milhões de euros no último trimestre, um aumento de 47% face ao período homólogo. Os investidores internacionais estão atentos: fundos de private equity e venture capital injectaram mais de 200 milhões de euros no sector só em 2023.

Mas o que acontece quando a bolha rebenta? Os economistas consultados pelo Observador alertam para o risco sistémico. "Estamos a criar uma geração de sobre-endividados", adverte Pedro Santos, professor de Economia na Universidade Católica. "Muitas destas pessoas já têm créditos habitação e automóvel. Quando a economia abrandar, vão ser os primeiros a entrar em incumprimento."

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões já está a aumentar a fiscalização sobre o sector, mas as fintechs movem-se mais rápido que a regulamentação. Enquanto isso, o marketing agressivo continua: anúncios no YouTube, parcerias com influencers, campanhas nas redes sociais que prometem "dinheiro fácil sem complicações".

A realidade, como descobrimos, é bem diferente. Por detrás das interfaces intuitivas e do atendimento personalizado esconde-se um modelo de negócio que lucra com a vulnerabilidade financeira dos portugueses. Num país onde 40% da população vive com o ordenado mínimo, o crédito rápido tornou-se não uma solução, mas um problema que ameaça minar a estabilidade financeira de milhares de famílias.

A pergunta que fica no ar: até quando permitiremos que o endividamento se transforme num negócio bilionário à custa dos mais vulneráveis?

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