Nos últimos meses, as ruas digitais de Portugal tornaram-se num campo de batalha silencioso. De um lado, as fintechs que prometem dinheiro rápido com apenas alguns cliques. Do outro, milhares de portugueses que, pressionados pela inflação e pelo custo de vida, acabam por cair numa teia de dívida que muitos não anteviam.
A investigação revela que o volume de créditos pessoais concedidos online cresceu 47% no último ano, segundo dados do Banco de Portugal. As plataformas digitais, com interfaces aparentemente inocentes, escondem mecanismos de aprovação que beiram a irresponsabilidade. Basta um cartão de cidadão e uma selfie para ter acesso a quantias que podem chegar aos 15 mil euros.
O que estas empresas não mostram com a mesma transparência são as TAEG que podem ultrapassar os 20%, nem as comissões ocultas que surgem quando o pagamento atrasa apenas um dia. João Silva, economista da Universidade do Porto, alerta: "Estamos a criar uma geração de endividados digitais. A facilidade de acesso é uma armadilha perigosa".
As histórias multiplicam-se. Maria, 32 anos, contabilista no Porto, começou com um empréstimo de 500 euros para resolver um imprevisto automóvel. Seis meses depois, devia 3.200 euros a três plataformas diferentes. "É como uma droga. Quando se entra, é difícil sair", confessa, preferindo manter o anonimato.
As fintechs defendem-se argumentando que oferecem uma alternativa aos bancos tradicionais, mais ágeis e inclusivas. Pedro Martins, CEO de uma das maiores plataformas, garante: "Cumprimos rigorosamente todas as regras da CMVM. O problema não está no produto, mas na educação financeira dos portugueses".
Mas os números contam outra história. As queixas no Portal da Queixa contra empresas de crédito rápido aumentaram 78% em 2023. Muitos consumidores alegam práticas agressivas de cobrança e falta de transparência nas condições contratuais.
O Banco de Portugal já emitiu alertas, mas a regulamentação parece correr atrás da inovação tecnológica. Enquanto isso, as fintechs continuam a expandir-se, atraindo investimento estrangeiro e anunciando em todos os cantos da internet portuguesa.
O fenómeno não é exclusivo de Portugal. Em países como Espanha e Reino Unido, os governos já começaram a impor limites mais rígidos às taxas de juro e às práticas de marketing agressivo. Resta saber se Portugal seguirá o mesmo caminho antes que a bolha rebente.
Os especialistas aconselham cautela. Antes de clicar em "sim", convém ler as letras pequenas, comparar ofertas e, sobretudo, questionar se realmente se precisa daquele dinheiro. Porque no mundo dos créditos rápidos, a velocidade raramente vem sem custos escondidos.
Esta realidade levanta questões fundamentais sobre o futuro do crédito em Portugal. Até que ponto a tecnologia está a servir as pessoas, e não apenas os lucros das empresas? Será que a conveniência digital justifica o risco de sobre-endividamento?
As respostas podem não ser simples, mas uma coisa é certa: o debate está apenas no início. E enquanto discutimos, milhares de portugueses continuam a assinar contratos que podem mudar as suas vidas para sempre.
O lado obscuro dos créditos rápidos: como as fintechs portuguesas estão a mudar o jogo do endividamento
