Nos últimos anos, as ruas digitais de Portugal encheram-se de anúncios sedutores: "Crédito até 5000€ em 15 minutos", "Sem burocracia", "Aprovação instantânea". O que parecia ser a solução para emergências financeiras transformou-se numa teia complexa onde a desesperança é o principal produto à venda.
Investigámos durante três meses o ecossistema dos créditos rápidos em Portugal e descobrimos que as taxas anuais efetivas globais (TAEG) podem ultrapassar os 2000%, um número que faria corar qualquer agiota tradicional. As fintechs, muitas delas sediadas em paraísos fiscais, desenvolveram algoritmos sofisticados que identificam precisamente o momento de maior fragilidade financeira dos consumidores.
A história da Maria, 34 anos, funcionária de limpeza em Lisboa, ilustra esta realidade. Após um problema de saúde do filho, recorreu a um empréstimo rápido de 300 euros. Dois anos depois, devia mais de 1800 euros. "Parecia tão simples no telemóvel", conta, com a voz a tremer. "Agora recebo chamadas a todas as horas, até de madrugada."
Os dados da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões mostram que o volume de crédito ao consumo atingiu 18,5 mil milhões de euros no final de 2023, com um crescimento de 12% face ao ano anterior. No entanto, o que as estatísticas não revelam é o custo humano por trás destes números.
As técnicas de recobramento evoluíram para níveis perturbadores. Utilizam-se inteligência artificial para analisar redes sociais e determinar o melhor momento para pressionar devedores. Há relatos de empresas que contactam empregadores e familiares, violando flagrantemente as leis de proteção de dados.
O paradoxo é evidente: enquanto o Banco de Portugal alerta para os perigos do sobreendividamento, as plataformas digitais continuam a bombardeiar os portugueses com publicidade agressiva. Um estudo da DECO revela que 68% dos anúncios de crédito não cumprem a legislação sobre informação clara e transparente.
A regulação tenta acompanhar o passo acelerado da inovação financeira, mas fica sempre atrás. A recente diretiva europeia sobre empréstimos responsáveis ainda não foi totalmente implementada em Portugal, deixando brechas que as empresas exploram com sofisticação tecnológica.
Os especialistas em direito financeiro alertam para a urgência de criar mecanismos de proteção mais eficazes. "Precisamos de sistemas de alerta precoce que identifiquem padrões de endividamento perigoso antes que seja tarde demais", defende a professora Helena Marques, da Faculdade de Direito de Coimbra.
As soluções passam por educação financeira desde cedo nas escolas, maior transparência nas condições contratuais e mecanismos de resolução de conflitos mais ágeis. Enquanto isso, milhares de portugueses continuam presos numa espiral de dívida que começou com um simples clique no telemóvel.
O futuro dos créditos rápidos em Portugal dependerá do equilíbrio entre inovação financeira e proteção do consumidor. Um equilíbrio que, atualmente, pende perigosamente para o lado dos lucros fácil às custas dos mais vulneráveis.
O lado obscuro dos créditos rápidos: como as fintechs lucram com a vulnerabilidade dos portugueses
