O lado obscuro dos créditos rápidos: como as fintechs estão a transformar a dívida em negócio bilionário

O lado obscuro dos créditos rápidos: como as fintechs estão a transformar a dívida em negócio bilionário
Nos últimos cinco anos, Portugal assistiu a uma explosão silenciosa que está a reconfigurar o panorama financeiro do país. Empresas de empréstimos rápidos, muitas delas fintechs com sedes em paraísos fiscais, multiplicaram-se como cogumelos após a chuva. Prometem dinheiro em 15 minutos, sem fiadores nem complicações, mas escondem uma realidade muito mais complexa e, por vezes, sombria.

A investigação do Jornal Económico revelou que estas empresas operam com taxas de juro anuais que podem ultrapassar os 2000%, um valor que faria corar qualquer banco tradicional. O segredo está na forma como estruturam os contratos: empréstimos de curto prazo com juros diários que, quando projetados para um ano, atingem valores astronómicos.

O Observador documentou casos de famílias que, começando com um empréstimo de 500 euros para cobrir uma despesa urgente, acabaram enroladas numa espiral de dívida que levou ao arresto de salários e penhora de bens. Maria, uma auxiliar de ação médica de 42 anos, contou como um empréstimo para pagar a reparação do carro se transformou numa dívida de 12 mil euros em apenas oito meses.

A Dinheiro Vivo analisou o modelo de negócio destas empresas e descobriu que muitas operam através de sociedades holding em países como a Holanda ou o Luxemburgo, aproveitando-se de lacunas na legislação europeia. Os seus algoritmos de scoring de crédito são desenhados não para avaliar a capacidade de pagamento, mas para maximizar a probabilidade de incumprimento seguido de penalizações lucrativas.

O Jornal de Negócios entrevistou ex-funcionários que revelaram as técnicas agressivas de cobrança: chamadas a todas as horas, pressão psicológica sobre familiares e a utilização de dados pessoais obtidos através do scraping de redes sociais. Uma prática particularmente preocupante é a venda de dívidas a fundos de investimento especializados em recuperação coerciva.

A ECO SAPO investigou o financiamento por trás destas operações e encontrou fundos de private equity e até mesmo grandes bancos europeus que investem indirectamente nestas plataformas. O negócio é tão lucrativo que algumas destas fintechs valem já mais de mil milhões de euros em bolsa.

As autoridades portuguesas começam agora a acordar para o problema. O Banco de Portugal recebeu mais de 1200 queixas no último ano relacionadas com empréstimos rápidos, mas a regulação ainda está vários passos atrás da inovação financeira. A ASF alerta para a necessidade de maior transparência nas condições contratuais e limites às taxas de juro.

Especialistas em direito financeiro ouvidos pelo Jornal Económico defendem que Portugal deveria seguir o exemplo de países como a Espanha, que implementou um registo central de empréstimos para evitar a sobre-endividamento. Outros sugerem a criação de um sistema de alerta precoce que notifique os consumidores quando estão a contrair múltiplos empréstimos.

Enquanto isso, o marketing agressivo continua. Anúncios nas redes sociais, patrocínios a influencers e campanhas que prometem 'dinheiro fácil' atingem especialmente os mais vulneráveis: jovens com primeiro emprego, reformados com pensões baixas e pequenos empresários em dificuldades.

A verdade é que estas empresas não estão a fazer nada ilegal - estão apenas a aproveitar-se de um vazio regulatório. O desafio para os legisladores é equilibrar a inovação financeira com a proteção dos consumidores, num setor que evolui mais rápido do que a capacidade de regulação.

O que começou como uma solução tecnológica para democratizar o crédito transformou-se num negócio predatório que lucra com o desespero. A pergunta que fica é: até que ponto estamos dispostos a permitir que a tecnologia financeira avance sem as devidas salvaguardas éticas?

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