Nos últimos meses, enquanto os média se concentravam nas subidas da Euribor e nos créditos habitação, uma crise silenciosa tem vindo a ganhar forma nas carteiras dos portugueses. O crédito ao consumo, aquele pequeno empréstimo que tantas vezes parece a solução mais fácil, transformou-se numa armadilha financeira para milhares de famílias.
Dados recentes do Banco de Portugal revelam que o volume de crédito pessoal atingiu níveis históricos, com taxas de juro que por vezes ultrapassam os 10%, um valor que faria corar qualquer especialista financeiro. Enquanto os bancos centrais tentam domar a inflação, os consumidores portugueses estão a ser esmagados por juros que não param de subir.
A história da Maria, empregada de limpeza de 54 anos, é emblemática. Contraiu um crédito de 5.000 euros para pagar despesas médicas do marido e, dois anos depois, ainda deve 4.800 euros. "Pago religiosamente todos os meses, mas a dívida não baixa", conta, com uma frustração que ecoa por todo o país.
Os especialistas alertam para um fenómeno preocupante: a normalização do endividamento. As campanhas publicitárias agressivas, que prometem "dinheiro rápido sem complicações", omitem cuidadosamente os custos reais. Muitos portugueses assinam contratos sem compreender completamente as cláusulas de juros variáveis ou as comissões escondidas.
O problema é particularmente grave entre os jovens adultos. A geração que cresceu durante a crise financeira de 2008 agora enfrenta outra: o custo de vida disparou, os salários estagnaram e o crédito fácil tornou-se o analgésico financeiro para cobrir as falhas do orçamento mensal.
Os bancos e financeiras defendem-se argumentando que os juros reflectem o risco de incumprimento e os custos operacionais. No entanto, organizações de defesa do consumidor questionam esta narrativa, apontando para margens de lucro que, em alguns casos, atingem valores considerados abusivos.
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tem vindo a aumentar a supervisão sobre as práticas de comercialização de crédito, mas os recursos são limitados face à dimensão do problema. Muitas vezes, a fiscalização chega tarde demais, quando as dívidas já se tornaram insustentáveis.
A solução, segundo os especialistas, passa por uma maior educação financeira desde cedo nas escolas, mas também por uma regulação mais rigorosa que proteja efectivamente os consumidores. Enquanto isso não acontece, organizações como a DECO oferecem serviços de mediação de dívidas, tentando renegociar condições com os credores.
O panorama é complexo e não existem soluções mágicas. O que é certo é que, sem uma intervenção concertada entre reguladores, instituições financeiras e sociedade civil, esta crise do crédito ao consumo pode transformar-se numa bola de neve com consequências graves para a economia portuguesa.
O futuro imediato não é animador. Com a inflação ainda acima dos 2% e o crescimento económico a abrandar, muitas famílias podem ser tentadas a recorrer ainda mais ao crédito, alimentando um ciclo vicioso de endividamento. A pergunta que fica no ar é: até quando o sistema aguenta?
O lado obscuro do crédito ao consumo: como as taxas de juro estão a estrangular as famílias portuguesas
