O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a ser encurralados pela dívida

O labirinto dos créditos ao consumo: como os portugueses estão a ser encurralados pela dívida
O ar está pesado na sala de espera do gabinete de apoio ao sobreendividado. Entre as mãos trémulas, folhas e mais folhas com números vermelhos. São 9h15 de uma terça-feira comum e já há uma fila de dez pessoas. Todos com a mesma história: começou com um crédito pessoal para pagar as férias, depois veio o cartão de crédito, o empréstimo para o carro, o financiamento do sofá novo. Agora, o salário desaparece antes mesmo de chegar à conta. Esta é a nova realidade de milhares de portugueses que, seduzidos por taxas aparentemente baixas e aprovações instantâneas, mergulharam num buraco negro financeiro do qual não conseguem sair.

Os números não mentem, mas também não contam toda a verdade. Segundo dados do Banco de Portugal, o crédito ao consumo atingiu os 18,4 mil milhões de euros no final do ano passado. Um aumento de 7,5% face a 2022. Parece um sinal de confiança na economia, mas quem está no terreno sabe que é exatamente o oposto. "Vejo famílias inteiras a usar créditos para pagar... outros créditos", confessa-nos Ana Lúcia, assistente social que trabalha há 15 anos com famílias endividadas. "É um ciclo vicioso que começa com uma necessidade pontual e termina com a perda da casa própria."

A sedução começa nas telas dos smartphones. Anúncios coloridos prometem "dinheiro rápido sem complicações" e "taxas especiais para novos clientes". O que não mostram são as letras pequenas: comissões de processamento, seguros obrigatórios, penalizações por pagamento antecipado. Um estudo recente da DECO revelou que 68% dos portugueses não lê os contratos na íntegra antes de assinar. "Assinam pelo cansaço", explica o economista Pedro Martins. "Depois de horas a preencher formulários online, quando finalmente chega ao contrato, já não tem paciência para ler 15 páginas de cláusulas."

Mas há um fenómeno ainda mais preocupante: o crédito entre particulares através de plataformas digitais. Estas fintechs apresentam-se como "alternativas democráticas" aos bancos tradicionais, mas operam numa zona cinzenta da regulação. "Não há supervisão adequada", alerta Carla Mendes, professora de Direito Financeiro. "Qualquer pessoa pode emprestar dinheiro a outra através destas apps, com taxas que chegam a 25% ao ano. É legal, mas é ético?"

O pior vem depois do incumprimento. As empresas de recuperação de créditos multiplicaram-se como cogumelos após a chuva. Usam táticas que beiram o assédio: chamadas a todas as horas, mensagens intimidatórias, cartas com ameaças veladas. "Recebi uma carta que dizia que iam falar com o meu patrão", conta-nos Rui, operário fabril de 42 anos. "Tive uma crise de ansiedade tão forte que acabei no hospital."

Há, no entanto, um raio de esperança. Alguns municípios começaram a criar gabinetes municipais de apoio ao endividamento, com equipas multidisciplinares que incluem psicólogos, juristas e mediadores financeiros. Em Lisboa, o programa "Dívida Zero" já ajudou mais de 300 famílias a renegociar as suas dívidas. "Não é um perdão", esclarece a coordenadora do projeto, "é uma reestruturação realista que permite às pessoas respirar e reorganizar as suas vidas".

Enquanto isso, nas assembleias legislativas, discute-se uma revisão da lei do crédito ao consumo. As propostas incluem limites máximos às taxas de juro, períodos de reflexão obrigatórios e maior transparência nos contratos. Mas os lobbies financeiros são poderosos. "Há muito dinheiro em jogo", sussurra-nos um deputado que prefere manter o anonimato. "Para cada família que se endivida, há uma empresa a lucrar."

O que falta, no fundo, é educação financeira desde a escola primária. Enquanto ensinamos às crianças a tabuada e os rios de Portugal, não lhes explicamos como funciona uma taxa de juro composta ou como ler um extrato bancário. "É como dar um carro a alguém que nunca aprendeu as regras de trânsito", compara o pedagogo António Silva. "Mais cedo ou mais tarde, vai bater."

À saída do gabinete de apoio, encontramos Maria, 58 anos, limpadora num hospital. Tem três créditos ativos e já não consegue pagar as prestações. "Pedi o primeiro para comprar uma máquina de lavar roupa quando a minha avariou", conta, com os olhos vermelhos. "Agora devo 15 mil euros e não sei como vou sair desta." Segura na pasta com os documentos, respira fundo e desaparece na multidão da cidade. Mais uma peça num sistema que premia o consumo imediato e castiga o planeamento a longo prazo.

A solução não passa por demonizar o crédito - quando bem utilizado, pode ser uma ferramenta de liberdade financeira. Mas exige regras claras, supervisão rigorosa e, acima de tudo, cidadãos informados. Enquanto isso não acontecer, as salas de espera continuarão cheias, as dívidas continuarão a crescer e as histórias como a da Maria repetir-se-ão, semana após semana, em todo o país.

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