O mercado imobiliário português enfrenta um dos momentos mais desafiadores da última década. Com as taxas de juro a subirem de forma consistente no espaço europeu, milhares de famílias portuguesas veem as suas prestações de crédito à habitação aumentar mês após mês. A pergunta que paira no ar é simples mas angustiante: até onde podem ir estas subidas?
Os dados mais recentes do Banco de Portugal mostram que cerca de 85% dos contratos de crédito à habitação em Portugal são indexados à Euribor. Esta dependência quase total de taxas variáveis coloca os portugueses numa posição de vulnerabilidade perante as decisões do Banco Central Europeu. Enquanto na Alemanha ou na França as taxas fixas representam mais de 60% do mercado, em Portugal essa percentagem não ultrapassa os 15%.
A situação torna-se particularmente preocupante quando analisamos o perfil do endividamento das famílias. O valor médio dos empréstimos contraídos nos últimos cinco anos ronda os 120 mil euros, com prazos de 30 a 40 anos. Muitas destas famílias calcularam as suas capacidades de pagamento com base em taxas historicamente baixas, que agora parecem pertencer a um passado distante.
Os bancos portugueses começam a sentir a pressão. As renegociações de crédito aumentaram 40% no último trimestre, segundo dados da Associação Portuguesa de Bancos. Muitas instituições financeiras estão a oferecer condições especiais para clientes que queiram passar de taxas variáveis para fixas, mas os juros praticados nestas últimas situam-se entre os 3,5% e 4,5%, valores que há dois anos seriam considerados proibitivos.
O Governo português anunciou recentemente um pacote de medidas de apoio às famílias, incluindo a extensão do prazo de empréstimos e a possibilidade de suspensão temporária de pagamentos. No entanto, especialistas alertam que estas são medidas paliativas que não resolvem o problema estrutural da excessiva dependência das taxas variáveis.
A Autoridade de Supervisão Financeira (ASF) tem vindo a alertar para os riscos do sobre-endividamento das famílias portuguesas. Num relatório recente, a ASF indica que o rácio de esforço financeiro médio das famílias com crédito à habitação subiu para 38%, muito próximo do limiar de 40% considerado crítico pelos organismos internacionais.
Os especialistas em mercado imobiliário preveem que esta situação possa ter efeitos significativos nos preços da habitação. Após anos de crescimento sustentado, alguns analistas antecipam uma correção no mercado, especialmente nos segmentos médio e alto, onde o acesso ao crédito se tornou mais restritivo.
As alternativas não são muitas, mas existem. O crédito cooperativo tem ganho popularidade, oferecing taxas mais competitivas e condições mais flexíveis. Simultaneamente, alguns bancos menores estão a desenvolver produtos inovadores, como empréstimos com taxas mistas ou indexadas a outros indicadores além da Euribor.
O consumidor português precisa de se informar melhor sobre as opções disponíveis. Muitas famílias não sabem que podem renegociar as condições dos seus empréstimos ou transferir o crédito para outra instituição. A educação financeira torna-se uma ferramenta crucial nestes tempos de incerteza.
O futuro do crédito à habitação em Portugal dependerá em grande medida da evolução da política monetária europeia. Se a inflação continuar elevada, as taxas de juro poderão manter-se altas durante mais tempo do que inicialmente previsto. Esta perspetiva obriga a uma reflexão profunda sobre o modelo de financiamento à habitação em Portugal.
As lições que podemos tirar desta crise são claras: diversificação de produtos financeiros, maior literacia económica das famílias e uma regulação mais pró-ativa por parte das autoridades competentes. O caminho à frente é complexo, mas com as medidas certas, Portugal pode emergir desta crise com um sistema de crédito mais robusto e resiliente.
O futuro do crédito à habitação em Portugal: taxas variáveis vs fixas na era da incerteza
