O crédito ao consumo em Portugal: entre a necessidade e o risco

O crédito ao consumo em Portugal: entre a necessidade e o risco
O dinheiro move o mundo, mas em Portugal o crédito ao consumo tem movido muitas famílias para um terreno pantanoso. Enquanto os bancos continuam a oferecer empréstimos pessoais como se fossem doces, milhares de portugueses encontram-se presos numa espiral de endividamento que parece não ter fim. A verdade é que o crédito fácil tornou-se o pão nosso de cada dia para quem vê o ordenado a evaporar-se antes do fim do mês.

Nos últimos meses, os dados do Banco de Portugal revelam um aumento preocupante do crédito ao consumo. As taxas de juro, apesar de estabilizadas, continuam a ser um pesadelo para quem não consegue pagar as prestações a tempo. E o pior? Muitas famílias recorrem a novos empréstimos para pagar os antigos, criando uma bola de neve que pode levar anos a desfazer.

Mas o problema não está apenas nos números. Está nas histórias por trás deles. Como a da Maria, costureira de 58 anos que recorreu a um crédito pessoal para pagar as despesas médicas do marido. Ou a do João, jovem de 26 anos que contraiu três empréstimos diferentes para comprar um carro que não podia pagar. Estas não são exceções - são a regra num país onde a educação financeira brilha pela ausência.

Enquanto isso, as instituições financeiras continuam a apostar forte no marketing agressivo. Cartas a oferecer "dinheiro imediato", campanhas publicitárias que prometem "soluções rápidas" e taxas bonificadas que escondem letras miúdas que ninguém lê. O resultado? Uma população cada vez mais endividada e menos capaz de poupar para o futuro.

O crédito ao consumo tornou-se a muleta financeira de muitas famílias portuguesas. Quando o ordenado não chega, quando surgem despesas inesperadas, quando se quer comprar aquele bem que parece essencial, lá está o empréstimo pessoal a salvar o dia. O problema é que este salvador tem um preço - e não é barato.

As taxas de juro médias para crédito pessoal em Portugal variam entre os 6% e os 12%, valores que podem parecer razoáveis à primeira vista, mas que se transformam em pesadelos quando somados ao capital emprestado. E se juntarmos a isto as comissões de processamento, os seguros obrigatórios e outras despesas associadas, o cenário torna-se ainda mais sombrio.

Mas há luz ao fundo do túnel. A Autoridade de Supervisão Financeira tem vindo a apertar o cerco às práticas mais agressivas, e novas regras de proteção ao consumidor começam a dar os primeiros passos. O problema é que estas medidas chegam tarde para quem já está com a corda ao pescoço.

O que falta, verdadeiramente, é educação financeira desde a escola. Ensinar os jovens a gerir o dinheiro, a compreender as taxas de juro, a distinguir entre necessidade e desejo. Porque enquanto não aprendermos a dizer "não" ao crédito fácil, continuaremos a alimentar um sistema que beneficia os bancos e prejudica as famílias.

E não nos esqueçamos do impacto social deste endividamento massivo. Famílias que adiam ter filhos porque não conseguem pagar as contas, jovens que não saem de casa dos pais porque não têm capacidade de crédito, reformados que continuam a trabalhar para pagar empréstimos contraídos há décadas. O crédito ao consumo não é apenas uma questão financeira - é uma questão social que afeta a estrutura familiar portuguesa.

As soluções passam por uma abordagem multifacetada: mais regulação, mais educação, mais apoio às famílias endividadas. Mas acima de tudo, passa por uma mudança cultural. Precisamos de deixar de ver o crédito como solução e começar a vê-lo como o que realmente é - uma ferramenta de último recurso, não um estilo de vida.

Enquanto escrevo estas linhas, recebo mais um email a oferecer-me um empréstimo pessoal "com condições especiais". A ironia não me escapa. Num país onde o crédito se tornou tão acessível quanto perigoso, talvez a melhor solução seja mesmo aprender a viver com o que temos - e não com o que nos emprestam.

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  • crédito ao consumo
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