O silêncio que nos adoece: como o isolamento social está a reescrever a nossa saúde mental
Há uma epidemia silenciosa a espalhar-se pelas cidades portuguesas, escondida à vista de todos. Não é um vírus, nem uma bactéria, mas algo igualmente contagioso: a solidão. Nos cafés de Lisboa, nos bancos de jardim do Porto, nas varandas de Braga, milhares de pessoas sentem-na sem a nomear. Um estudo recente da Universidade de Coimbra revela que 34% dos portugueses adultos reportam sentimentos de isolamento crónico, um número que triplicou desde 2019.
O cardiologista Miguel Santos, do Hospital de Santa Maria, confirma o que muitos colegas suspeitavam: "Atendemos diariamente pacientes com palpitações, pressão arterial elevada, dores no peito sem causa orgânica aparente. Quando aprofundamos a conversa, descobrimos que muitos vivem sozinhos há anos, sem rede de apoio familiar ou social. O corpo está a gritar o que a boca cala."
Nas urgências psiquiátricas, o cenário repete-se. Ana Lopes, psiquiatra no Hospital Júlio de Matos, observa um padrão preocupante: "Recebemos cada vez mais pessoas entre os 25 e os 45 anos com crises de ansiedade severa. São profissionais aparentemente bem-sucedidos, com carreiras promissoras, mas que confessam não ter com quem falar honestamente sobre os seus medos. A hiperconectividade digital criou a ilusão da companhia, mas aprofundou o vazio emocional."
A neurociência começa agora a desvendar os mecanismos biológicos por trás deste fenómeno. Investigadores do Instituto de Medicina Molecular descobriram que o isolamento social prolongado activa os mesmos circuitos cerebrais que a dor física. "O cérebro humano evoluiu para ser social. Quando essa necessidade básica não é satisfeita, o organismo entra em estado de alerta constante, libertando cortisol e adrenalina em excesso", explica a neurocientista Carla Mendes.
Mas há esperança a surgir de iniciativas comunitárias espalhadas pelo país. Em Coimbra, o projecto "Varandas com Voz" reúne vizinhos para conversas semanais. Maria João, 72 anos, participa religiosamente: "Depois de ficar viúva, passei meses sem falar com ninguém. Aqui redescobri a alegria da partilha. Às vezes é só uma hora por semana, mas muda tudo."
Nas empresas, a mudança também começa a acontecer. A startup lisboeta MindfulTech criou um programa de "almoços sem telemóvel" que está a ser adoptado por várias multinacionais. "Notámos que os colaboradores comiam sozinhos nas mesas, agarrados aos ecrãs. Criámos espaços de convívio obrigatório onde os dispositivos ficam à entrada. Os resultados em bem-estar e produtividade são impressionantes", revela o CEO Rui Carvalho.
Os especialistas alertam, no entanto, que soluções individuais não bastam. "Precisamos de políticas públicas que combatam a solidão com a mesma urgência com que combatemos outras epidemias", defende a socióloga Isabel Monteiro. "Desde o desenho urbano que promova encontros casuais até programas de voluntariado intergeracional, há múltiplas frentes de actuação."
Enquanto isso, nas ruas, pequenos gestos continuam a fazer a diferença. Como o do Carlos, dono de uma pastelaria no Chiado que reserva sempre uma mesa para "clientes solitários". "Às onze da manhã, sei quem vem. São reformados, estudantes longe de casa, divorciados. Ofereço-lhes um café e uns minutos de conversa. Não custa nada e faz-me tão bem a mim como a eles."
O desafio, concluem os especialistas, é reconhecer que a saúde mental não é apenas uma questão individual, mas colectiva. E que curar a solidão pode ser a receita mais importante para os males do século XXI.
O cardiologista Miguel Santos, do Hospital de Santa Maria, confirma o que muitos colegas suspeitavam: "Atendemos diariamente pacientes com palpitações, pressão arterial elevada, dores no peito sem causa orgânica aparente. Quando aprofundamos a conversa, descobrimos que muitos vivem sozinhos há anos, sem rede de apoio familiar ou social. O corpo está a gritar o que a boca cala."
Nas urgências psiquiátricas, o cenário repete-se. Ana Lopes, psiquiatra no Hospital Júlio de Matos, observa um padrão preocupante: "Recebemos cada vez mais pessoas entre os 25 e os 45 anos com crises de ansiedade severa. São profissionais aparentemente bem-sucedidos, com carreiras promissoras, mas que confessam não ter com quem falar honestamente sobre os seus medos. A hiperconectividade digital criou a ilusão da companhia, mas aprofundou o vazio emocional."
A neurociência começa agora a desvendar os mecanismos biológicos por trás deste fenómeno. Investigadores do Instituto de Medicina Molecular descobriram que o isolamento social prolongado activa os mesmos circuitos cerebrais que a dor física. "O cérebro humano evoluiu para ser social. Quando essa necessidade básica não é satisfeita, o organismo entra em estado de alerta constante, libertando cortisol e adrenalina em excesso", explica a neurocientista Carla Mendes.
Mas há esperança a surgir de iniciativas comunitárias espalhadas pelo país. Em Coimbra, o projecto "Varandas com Voz" reúne vizinhos para conversas semanais. Maria João, 72 anos, participa religiosamente: "Depois de ficar viúva, passei meses sem falar com ninguém. Aqui redescobri a alegria da partilha. Às vezes é só uma hora por semana, mas muda tudo."
Nas empresas, a mudança também começa a acontecer. A startup lisboeta MindfulTech criou um programa de "almoços sem telemóvel" que está a ser adoptado por várias multinacionais. "Notámos que os colaboradores comiam sozinhos nas mesas, agarrados aos ecrãs. Criámos espaços de convívio obrigatório onde os dispositivos ficam à entrada. Os resultados em bem-estar e produtividade são impressionantes", revela o CEO Rui Carvalho.
Os especialistas alertam, no entanto, que soluções individuais não bastam. "Precisamos de políticas públicas que combatam a solidão com a mesma urgência com que combatemos outras epidemias", defende a socióloga Isabel Monteiro. "Desde o desenho urbano que promova encontros casuais até programas de voluntariado intergeracional, há múltiplas frentes de actuação."
Enquanto isso, nas ruas, pequenos gestos continuam a fazer a diferença. Como o do Carlos, dono de uma pastelaria no Chiado que reserva sempre uma mesa para "clientes solitários". "Às onze da manhã, sei quem vem. São reformados, estudantes longe de casa, divorciados. Ofereço-lhes um café e uns minutos de conversa. Não custa nada e faz-me tão bem a mim como a eles."
O desafio, concluem os especialistas, é reconhecer que a saúde mental não é apenas uma questão individual, mas colectiva. E que curar a solidão pode ser a receita mais importante para os males do século XXI.