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O que os dados não contam sobre o abandono escolar em Portugal

Há uma história que os números oficiais não revelam. Enquanto o Ministério da Educação celebra a redução do abandono escolar para valores históricos, uma visita às escolas secundárias do interior conta outra narrativa. Nas salas de aula de Trás-os-Montes e do Alentejo, os professores falam de 'alunos fantasmas' - jovens que constam nas estatísticas como presentes, mas cujas cadeiras vazias contam uma verdade mais complexa.

Esta investigação começou com um simples questionamento: como é possível que um país com tantos programas de combate ao abandono escolar ainda tenha turmas a definhar no silêncio dos corredores? A resposta, descobrimos, está nos interstícios do sistema. Entre a burocracia que premia a retenção de números e a realidade das famílias que lutam para sobreviver, existe um abismo onde caem milhares de jovens todos os anos.

O fenómeno do 'abandono silencioso' é particularmente visível nas regiões onde o transporte escolar não chega a todas as aldeias. Maria, professora há 25 anos numa escola de Portalegre, descreve o cenário: 'Temos alunos que faltam três dias seguidos porque o avô está doente e precisam de ajudar na quinta. No quarto dia, já se sentem tão deslocados que preferem não voltar. E assim, um a um, vamos perdendo-os.'

Mas o problema não se limita às zonas rurais. Nas periferias urbanas de Lisboa e Porto, encontramos outro tipo de abandono - o dos jovens que estão fisicamente presentes, mas mentalmente ausentes. São alunos que chegam às aulas após noites de trabalho em part-time não declarado, que dividem a atenção entre os livros e a necessidade de contribuir para as despesas familiares. O sistema educativo, rígido nos seus horários e exigências, não se adapta a estas realidades.

O mais perturbador, porém, é descobrir como as próprias métricas de sucesso contribuem para o problema. As escolas são avaliadas e financiadas com base em taxas de conclusão e aprovação, criando um perverso incentivo para 'esconder' os casos mais difíceis. Alguns diretores confessaram, sob condição de anonimato, que preferem transferir alunos problemáticos para o ensino noturno ou para cursos profissionais do que arriscar as estatísticas da escola.

Há, no entanto, luzes no fim deste túnel. Em Bragança, um projeto pioneiro está a reescrever as regras do jogo. Chamam-lhe 'Escola sem Horários', um modelo flexível que permite aos alunos combinarem estudos com trabalho agrícola sazonal. Os resultados preliminares são promissores: 85% dos jovens que estavam em risco de abandono completaram o ano letivo.

Em Setúbal, outra iniciativa está a dar que falar. A 'Rede de Tutores Comunitários' recruta reformados com formação académica para acompanharem alunos em risco. Não são professores no sentido tradicional, mas sim mentores que vão buscar os jovens onde eles estão - literalmente. João, de 68 anos, ex-engenheiro, conta: 'Vou buscá-los a casa, estudo com eles na cozinha enquanto a mãe prepara o jantar. Às vezes, até ajudamos nos trabalhos de casa dos irmãos mais novos.'

Estas soluções locais apontam para uma verdade incómoda: talvez o problema do abandono escolar não seja, em primeiro lugar, um problema educativo. É antes um sintoma de desigualdades sociais mais profundas, de um país onde a geografia ainda determina o destino, e onde o sistema educativo falha em dialogar com as realidades económicas das famílias.

O desafio que se coloca agora é de escala. Como replicar estas micro-soluções a nível nacional? Como criar um sistema educativo que não apenas aceite, mas celebre a diversidade de percursos? As respostas não estão nos gabinetes do Ministério, mas sim nas comunidades que diariamente reinventam a educação para sobreviver.

Enquanto isso, nas estatísticas oficiais, o abandono escolar continua a descer. Mas nas estradas poeirentas do interior, nos bairros sociais das grandes cidades, e nos corredores silenciosos de muitas escolas, a história real continua a ser escrita - uma história que merece ser ouvida antes que seja tarde demais para mais uma geração.

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