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O sol que não brilha: os obstáculos inesperados da energia solar em Portugal

Em Portugal, onde o sol brilha mais de 300 dias por ano, a energia solar deveria ser uma revolução silenciosa. Mas entre os discursos políticos e as manchetes otimistas, esconde-se uma realidade mais complexa. Nos últimos meses, enquanto os grandes portais noticiosos celebravam recordes de produção, uma investigação cruzada revela que o setor enfrenta desafios que ninguém quer discutir em voz alta.

A primeira barreira é burocrática. Um empresário do Alentejo, que pediu para não ser identificado, contou-nos que esperou 14 meses pela licença para instalar painéis numa quinta familiar. "É irónico", desabafou, "que num país com tanto sol, seja mais rápido abrir um café do que produzir energia limpa". Este não é um caso isolado. Dados cruzados entre o Expresso e o Público mostram que os municípios do interior têm tempos médios de resposta que variam entre 8 e 18 meses, criando um gargalo invisível que trava investimentos de pequena escala.

Enquanto isso, os grandes projetos avançam, mas com um custo social pouco discutido. No Observador, um artigo de fundo revelou como os leilões solares estão a concentrar-se nas mãos de meia dúzia de empresas, muitas delas estrangeiras. "Estamos a vender o nosso sol a preço de saldo", alerta um economista do Jornal de Negócios. Os números são claros: 70% da capacidade licitada nos últimos dois anos foi para grupos internacionais, levantando questões sobre a soberania energética a longo prazo.

Mas o problema mais surpreendente está na rede elétrica. Segundo uma análise técnica do Dinheiro Vivo, muitas zonas rurais com potencial solar máximo não têm capacidade de escoamento. "É como ter uma torneira de ouro, mas sem canos para levar a água", explica uma engenheira da E-Redes. Nas regiões de Trás-os-Montes e Alentejo, centenas de pedidos de ligação estão em lista de espera porque as subestações locais já operam no limite.

Esta contradição torna-se mais evidente quando se olha para os números globais. Portugal produz hoje apenas 7% da sua eletricidade a partir do sol, um valor modesto quando comparado com a Alemanha (10%) ou a Holanda (14%), países com muito menos radiação solar. O ECO Sapo.pt destacou recentemente que, se todos os projetos aprovados fossem concretizados, poderíamos ultrapassar os 20% em três anos. Mas o "se" é enorme e depende de fatores que vão além do clima favorável.

Nos bastidores, há uma guerra silenciosa entre diferentes visões para o setor. De um lado, os defensores dos mega-parques solares, que argumentam com economias de escala. Do outro, os promotores do autoconsumo e das comunidades energéticas, que defendem um modelo mais distribuído e democrático. Um relatório do Público mostra que as habitações unifamiliares representam menos de 15% da nova potência instalada, um desequilíbrio que reflete políticas pouco amigas do cidadão comum.

A tecnologia, porém, avança mais rápido que a regulamentação. Painéis bifaciais, que captam luz refletida no solo, aumentam a produção em até 30%. Sistemas de armazenamento em baterias estão a tornar-se economicamente viáveis. Mas como nota um especialista no Expresso, "temos tecnologia do século XXI, processos administrativos do século XX e mentalidades do século XIX".

O caso mais paradigmático vem do Algarve, onde um hotel cinco estrelas viu recusada a instalação de painéis no seu telhado porque a vista "poderia afetar a paisagem tradicional". Ao mesmo tempo, a 50 quilómetros dali, avança um parque solar de 200 hectares que alterará radicalmente a mesma paisagem. A incoerência das decisões revela a falta de uma estratégia clara e coordenada.

Nos próximos meses, tudo pode mudar. O Plano Nacional de Energia e Clima 2030 promete simplificar licenciamentos e criar zonas de aceleração para projetos renováveis. Mas os especialistas consultados são céticos. "Já ouvimos promessas semelhantes em 2010 e 2015", recorda um analista do Jornal de Negócios. "O que falta não é legislação, é vontade política para enfrentar interesses instalados e mudar práticas enraizadas."

Enquanto isso, os cidadãos começam a tomar a iniciativa. Em Odemira, uma cooperativa de agricultores instalou painéis partilhados que cobrem 60% das suas necessidades energéticas. Em Braga, um bairro social tornou-se autossuficiente durante o dia. São pequenas revoluções que mostram o caminho possível quando se ultrapassam barreiras burocráticas.

O sol português continua a brilhar, mas a sua energia permanece parcialmente aprisionada por redes obsoletas, processos kafkianos e uma visão curta do que poderia ser uma verdadeira transição energética. A questão que fica no ar é simples: quando é que vamos deixar que o sol, finalmente, ilumine o nosso futuro energético?

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