O paradoxo solar português: como um país com tanto sol continua dependente do gás
Portugal tem mais de 300 dias de sol por ano, uma dádiva natural que poderia transformar o país numa potência energética europeia. No entanto, quando analisamos os números, encontramos uma realidade contraditória: enquanto a capacidade solar instalada cresce a bom ritmo, continuamos amarrados às importações de gás natural e aos combustíveis fósseis. Esta é a história do paradoxo que define a nossa transição energética.
Nos últimos três anos, a capacidade solar fotovoltaica em Portugal quase triplicou, atingindo os 2,5 GW no final de 2023. Projetos como o complexo solar do Algarve, com os seus espelhos que parecem saídos de um filme de ficção científica, tornaram-se símbolos desta revolução. Mas por trás dos números impressionantes esconde-se uma verdade inconveniente: a energia solar representa apenas 7% do consumo nacional de eletricidade.
O problema não está na produção, mas na integração. As redes elétricas portuguesas, desenhadas para um modelo centralizado de produção, mostram-se incapazes de absorver eficientemente a energia intermitente do sol. Em dias particularmente soalheiros, já se registaram situações de curtailment - o desperdício deliberado de energia solar porque o sistema não consegue acomodá-la. É como ter uma torneira de ouro, mas sem copo onde colher a água.
Enquanto isso, as contas da eletricidade continuam a subir, refletindo a nossa dependência do gás natural, cujo preço continua volátil nos mercados internacionais. A central termoelétrica do Pego, que deveria ter fechado em 2021, continua em funcionamento intermitente, servindo de rede de segurança para quando o sol não brilha o suficiente. Esta dualidade custa aos contribuintes portugueses milhões em subsídios e taxas de capacidade.
Os especialistas apontam para três gargalos principais: o armazenamento, as interligações e a burocracia. As baterias de grande escala ainda são tecnologia emergente em Portugal, com apenas alguns projetos piloto em desenvolvimento. A interligação com Espanha, embora tenha melhorado, continua insuficiente para exportar os excedentes solares quando estes ocorrem. E o licenciamento de novos projetos pode levar até dois anos, tempo suficiente para que as tecnologias se tornem obsoletas.
Mas há luz no fim do túnel. As comunidades energéticas estão a surgir por todo o país, desde aldeias alentejanas até bairros lisboetas. Estas iniciativas locais, onde os cidadãos produzem e partilham a sua própria energia, estão a demonstrar que a descentralização pode ser a chave para resolver o paradoxo solar. Em Coruche, uma comunidade energética abastece 40 famílias e pequenas empresas, reduzindo as suas faturas em até 30%.
O setor privado também está a acordar para as oportunidades. Grandes empresas como a EDP e a Galp estão a investir massivamente em parques solares combinados com sistemas de armazenamento. O projeto Sunstone no Alentejo, por exemplo, inclui uma das maiores baterias da Europa, capaz de armazenar energia suficiente para abastecer 150 mil habitações durante quatro horas.
No entanto, os desafios políticos persistem. As sucessivas alterações ao regime de autoconsumo criaram insegurança jurídica entre os investidores. O recente aumento das taxas sobre a produção distribuída ameaça travar o crescimento dos telhados solares, justamente a solução mais democrática e descentralizada.
O que falta então para Portugal aproveitar plenamente o seu potencial solar? Os especialistas são unânimes: precisamos de uma visão integrada que combine investimento em redes inteligentes, simplificação do licenciamento e incentivos ao armazenamento. As smart grids, ou redes inteligentes, poderiam permitir uma gestão mais eficiente dos fluxos de energia, enquanto os sistemas de bombeamento hidroelétrico (como o que existe no Alqueva) poderiam servir como baterias naturais.
O caso português serve de lição para outros países do sul da Europa. Demonstrar que ter recursos naturais abundantes não é suficiente - é preciso criar as condições técnicas, regulatórias e de mercado para os aproveitar. A transição energética não é apenas sobre instalar painéis solares, mas sobre reinventar todo o sistema elétrico.
Enquanto escrevo estas linhas, o sol brilha sobre Lisboa com uma intensidade quase mediterrânica. Milhares de painéis espalhados pelo país convertem essa energia em eletricidade, mas uma parte significativa será desperdiçada por falta de infraestruturas adequadas. Resolver este paradoxo não é apenas uma questão técnica ou económica - é um imperativo ambiental e social. O futuro energético de Portugal depende da nossa capacidade de harmonizar o sol que temos com o sistema que construímos.
Nos últimos três anos, a capacidade solar fotovoltaica em Portugal quase triplicou, atingindo os 2,5 GW no final de 2023. Projetos como o complexo solar do Algarve, com os seus espelhos que parecem saídos de um filme de ficção científica, tornaram-se símbolos desta revolução. Mas por trás dos números impressionantes esconde-se uma verdade inconveniente: a energia solar representa apenas 7% do consumo nacional de eletricidade.
O problema não está na produção, mas na integração. As redes elétricas portuguesas, desenhadas para um modelo centralizado de produção, mostram-se incapazes de absorver eficientemente a energia intermitente do sol. Em dias particularmente soalheiros, já se registaram situações de curtailment - o desperdício deliberado de energia solar porque o sistema não consegue acomodá-la. É como ter uma torneira de ouro, mas sem copo onde colher a água.
Enquanto isso, as contas da eletricidade continuam a subir, refletindo a nossa dependência do gás natural, cujo preço continua volátil nos mercados internacionais. A central termoelétrica do Pego, que deveria ter fechado em 2021, continua em funcionamento intermitente, servindo de rede de segurança para quando o sol não brilha o suficiente. Esta dualidade custa aos contribuintes portugueses milhões em subsídios e taxas de capacidade.
Os especialistas apontam para três gargalos principais: o armazenamento, as interligações e a burocracia. As baterias de grande escala ainda são tecnologia emergente em Portugal, com apenas alguns projetos piloto em desenvolvimento. A interligação com Espanha, embora tenha melhorado, continua insuficiente para exportar os excedentes solares quando estes ocorrem. E o licenciamento de novos projetos pode levar até dois anos, tempo suficiente para que as tecnologias se tornem obsoletas.
Mas há luz no fim do túnel. As comunidades energéticas estão a surgir por todo o país, desde aldeias alentejanas até bairros lisboetas. Estas iniciativas locais, onde os cidadãos produzem e partilham a sua própria energia, estão a demonstrar que a descentralização pode ser a chave para resolver o paradoxo solar. Em Coruche, uma comunidade energética abastece 40 famílias e pequenas empresas, reduzindo as suas faturas em até 30%.
O setor privado também está a acordar para as oportunidades. Grandes empresas como a EDP e a Galp estão a investir massivamente em parques solares combinados com sistemas de armazenamento. O projeto Sunstone no Alentejo, por exemplo, inclui uma das maiores baterias da Europa, capaz de armazenar energia suficiente para abastecer 150 mil habitações durante quatro horas.
No entanto, os desafios políticos persistem. As sucessivas alterações ao regime de autoconsumo criaram insegurança jurídica entre os investidores. O recente aumento das taxas sobre a produção distribuída ameaça travar o crescimento dos telhados solares, justamente a solução mais democrática e descentralizada.
O que falta então para Portugal aproveitar plenamente o seu potencial solar? Os especialistas são unânimes: precisamos de uma visão integrada que combine investimento em redes inteligentes, simplificação do licenciamento e incentivos ao armazenamento. As smart grids, ou redes inteligentes, poderiam permitir uma gestão mais eficiente dos fluxos de energia, enquanto os sistemas de bombeamento hidroelétrico (como o que existe no Alqueva) poderiam servir como baterias naturais.
O caso português serve de lição para outros países do sul da Europa. Demonstrar que ter recursos naturais abundantes não é suficiente - é preciso criar as condições técnicas, regulatórias e de mercado para os aproveitar. A transição energética não é apenas sobre instalar painéis solares, mas sobre reinventar todo o sistema elétrico.
Enquanto escrevo estas linhas, o sol brilha sobre Lisboa com uma intensidade quase mediterrânica. Milhares de painéis espalhados pelo país convertem essa energia em eletricidade, mas uma parte significativa será desperdiçada por falta de infraestruturas adequadas. Resolver este paradoxo não é apenas uma questão técnica ou económica - é um imperativo ambiental e social. O futuro energético de Portugal depende da nossa capacidade de harmonizar o sol que temos com o sistema que construímos.