Seguros

Energia

Serviços domésticos

Telecomunicações

Saúde

Segurança Doméstica

Energia Solar

Seguro Automóvel

Aparelhos Auditivos

Créditos

Educação

Paixão por carros

Seguro de Animais de Estimação

Blogue

O paradoxo solar português: como um país com tanto sol continua a depender do gás

O sol português brilha em média 300 dias por ano, mas a nossa dependência energética do gás natural continua a crescer. Esta contradição tornou-se o elefante na sala das discussões sobre transição energética em Portugal. Enquanto os nossos vizinhos espanhóis já produzem mais de 50% da sua eletricidade através de fontes renováveis, nós continuamos amarrados aos combustíveis fósseis, pagando o preço da instabilidade geopolítica e das flutuações dos mercados internacionais.

A investigação revela que o problema não está na falta de potencial, mas sim numa teia complexa de burocracia, interesses instalados e decisões políticas de curto prazo. Os processos de licenciamento para projetos solares podem demorar até três anos, enquanto em países como a Alemanha ou a Holanda o mesmo processo não ultrapassa os seis meses. Esta morosidade tem custos reais: segundo dados da APREN, Portugal perde anualmente cerca de 500 milhões de euros em investimentos que acabam por se direcionar para outros mercados.

O setor residencial apresenta outra faceta deste paradoxo. Apesar dos sucessivos programas de apoio à instalação de painéis solares, apenas 8% das habitações portuguesas têm capacidade de produção própria. A culpa? Um labirinto regulatório que desencoraja os cidadãos comuns. Os trâmites para ligar à rede, os impostos sobre o autoconsumo e a falta de informação clara criam barreiras quase intransponíveis para a maioria das famílias.

Mas há luz no fim do túnel. As comunidades de energia renovável começam a surgir como uma solução inovadora, permitindo que vizinhos, empresas locais e municípios se unam para produzir e partilhar energia limpa. Em Coruche, uma dessas comunidades já abastece 120 famílias e poupa aos participantes cerca de 30% na fatura elétrica. O modelo prova que, quando as pessoas se unem, conseguem contornar as barreiras que o sistema lhes impõe.

A indústria enfrenta desafios ainda maiores. As grandes empresas consomem 60% da energia nacional, mas apenas 15% têm projetos de energia solar implementados. O motivo principal não é o custo dos equipamentos, que tem caído drasticamente nos últimos anos, mas sim a incerteza regulatória. As mudanças frequentes nas regras do jelo desencorajam investimentos de longo prazo.

Os leilões solares têm sido um sucesso relativo, mas a energia arrematada ainda não chega para cumprir as metas nacionais. O último leilão atribuiu 1,15 GW de capacidade, mas especialistas calculam que precisamos de instalar pelo menos 3 GW por ano até 2030 para atingir os objetivos do Plano Nacional Energia e Clima. A diferença entre o necessário e o realizado é abismal.

O armazenamento de energia surge como o calcanhar de Aquiles do sistema. Sem baterias eficientes e acessíveis, a energia solar produzida durante o dia não pode ser usada à noite. Portugal tem projetos-piloto interessantes, como a central hídrica reversível do Alqueva, mas a escala ainda é insuficiente para as necessidades nacionais.

As zonas rurais oferecem oportunidades únicas para a energia solar. Os terrenos agrícolas podem albergar painéis sem prejudicar as culturas, criando rendimentos complementares para os agricultores. No Alentejo, projetos de agrivoltaico já demonstram que é possível conciliar produção de alimentos e energia, criando sinergias que beneficiam ambos os setores.

O financiamento continua a ser uma dor de cabeça para muitos projetos. Os bancos portugueses ainda são conservadores no financiamento de energias renováveis, exigindo garantias que muitas PME não conseguem fornecer. Os fundos europeus ajudam, mas a burocracia para os aceder afasta muitos investidores.

O futuro passa inevitavelmente pela descentralização. Micro-redes locais, produção distribuída e digitalização do sistema elétrico são tendências irreversíveis. Países como a Dinamarca já mostram o caminho: 40% da sua energia renovável é produzida por cidadãos e cooperativas. Portugal tem tudo para seguir o mesmo rumo, mas precisa de coragem política para desmantelar as barreiras que impedem o florescimento do nosso potencial solar.

A transição energética não é apenas uma questão técnica ou económica - é sobretudo uma questão de vontade política e de visão estratégica. Enquanto continuarmos a tratar a energia solar como um complemento em vez de uma prioridade, estaremos a desperdiçar o nosso recurso mais abundante: a luz do sol que banha o nosso país quase todo o ano.

Tags