Seguros

Energia

Serviços domésticos

Telecomunicações

Saúde

Segurança Doméstica

Energia Solar

Seguro Automóvel

Aparelhos Auditivos

Créditos

Educação

Paixão por carros

Seguro de Animais de Estimação

Blogue

O paradoxo da energia solar em Portugal: abundância natural versus barreiras burocráticas

O sol português brilha em média 300 dias por ano, um recurso natural que transformaria qualquer país num paraíso energético. Contudo, enquanto os raios solares banham o território nacional, os projectos de energia fotovoltaica enfrentam uma tempestade de papelada que pode durar anos. A ironia é cruel: temos uma das melhores irradiações solares da Europa, mas processos administrativos que parecem desenhados para países nórdicos com metade da nossa luz natural.

Nos últimos dois anos, mais de 3.000 pedidos de licenciamento para centrais solares acumularam-se nas secretárias da Direcção-Geral de Energia e Geologia. Alguns aguardam decisão desde 2020, enquanto os investidores assistem impotentes ao desfazer de oportunidades que poderiam ter injectado milhares de milhões na economia nacional. Um empresário do sector, que preferiu manter o anonimato, confessou-me: "É como tentar vender guarda-chuvas no deserto do Sahara. Temos o produto perfeito, mas ninguém parece precisar dele."

A burocracia não é o único obstáculo. A rede eléctrica nacional, herdeira de décadas de investimento insuficiente, revela-se incapaz de absorver toda a energia que os novos parques solares poderiam produzir. Em algumas regiões do Alentejo, onde o sol é mais intenso, os limites técnicos da rede já obrigaram ao adiamento de projectos avaliados em mais de 500 milhões de euros. Os cabos existentes simplesmente não conseguem transportar tanta electricidade, criando um paradoxo moderno: energia limpa e barata disponível, mas sem forma de chegar aos consumidores.

Enquanto isso, os cidadãos comuns descobrem as suas próprias batalhas solares. Maria Silva, professora reformada de Évora, espera há oito meses pela autorização para instalar painéis no telhado da sua moradia. "Parece que estou a pedir licença para construir um arranha-céus, não para colocar uns painéis que me permitam poupar na factura da electricidade", desabafa, mostrando-me a pilha de documentos que já reuniu.

Os especialistas apontam para soluções que outros países já implementaram com sucesso. Espanha, nosso vizinho ibérico, reduziu o tempo de licenciamento para microprodução para menos de 30 dias. A Alemanha, com muito menos sol, tem o triplo da capacidade solar instalada per capita. "Precisamos de uma revolução na forma como tratamos a energia solar", defende Pedro Costa, investigador do INEGI. "Não se trata apenas de mudar leis, mas de transformar mentalidades."

As comunidades energéticas emergem como uma luz no fim do túnel. Em Alcoutim, no Algarve, um grupo de vizinhos uniu-se para criar a primeira comunidade solar rural do país. Juntos, instalaram painéis num terreno comunitário e agora partilham a energia produzida. "É a democracia energética na prática", explica António Mendes, um dos fundadores. "Cada família poupa cerca de 40% na factura da luz, e ainda sobra energia para alimentar os equipamentos públicos da vila."

O armazenamento de energia representa outro desafio crucial. As baterias de grande escala ainda são caras e a tecnologia de hidrogénio verde, embora promissora, está nos seus primórdios. "Sem soluções de armazenamento eficientes, continuaremos a desperdiçar energia solar quando mais produzimos do que consumimos", alerta Carla Rodrigues, especialista em sistemas energéticos.

Os números, contudo, mostram que vale a pena persistir. Cada megawatt de energia solar instalada cria entre 5 a 8 empregos directos, muitos deles em regiões do interior com poucas oportunidades. O custo da tecnologia caiu 85% na última década, tornando a solar a fonte de electricidade mais barata da história em muitos mercados.

O futuro pode passar pelos telhados. Estudos indicam que as superfícies urbanas portuguesas poderiam gerar electricidade suficiente para abastecer 60% do consumo doméstico nacional. "Transformar cada telhado numa mini-central eléctrica é o caminho mais inteligente", defende Miguel Andrade, urbanista. "Resolve o problema do uso do solo e aproxima a produção do consumo."

Enquanto o governo prepara novos planos e estratégias, os portugueses começam a tomar as rédeas do seu destino energético. Cooperativas, associações de moradores e até pequenas empresas unem-se para contornar obstáculos que parecem insuperáveis. A energia solar em Portugal tornou-se não apenas uma questão técnica ou ambiental, mas um teste à nossa capacidade de inovar e adaptar-nos.

O sol continua a nascer todos os dias, gratuito e abundante. A questão que permanece é se saberemos aproveitá-lo antes que seja tarde demais. Num mundo em transição energética acelerada, Portugal arrisca-se a ficar para trás, não por falta de recursos, mas por excesso de obstáculos criados por nós mesmos.

Tags