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O paradoxo energético português: quando a abundância não chega às contas de luz

Há algo de profundamente contraditório no panorama energético português. Enquanto os números oficiais celebram a produção recorde de energias renováveis, os portugueses continuam a abrir as contas da luz com o coração nas mãos. Esta desconexão entre o sucesso macroeconómico e o sofrimento microeconómico das famílias merece uma investigação mais aprofundada.

Nos últimos meses, Portugal atingiu marcos históricos na produção de energia limpa. Durante 149 horas consecutivas em maio, o país funcionou exclusivamente com fontes renováveis. Os parques eólicos e solares bateram recordes atrás de recordes, enquanto as barragens aproveitaram um inverno mais chuvoso. Estes números, amplamente divulgados, pintam um retrato de sucesso que contrasta violentamente com a realidade das contas domésticas.

A verdade é que o preço da eletricidade para os consumidores portugueses continua entre os mais elevados da Europa. Segundo dados recentes, apenas a Dinamarca e a Irlanda nos superam neste triste pódio. Como pode um país que produz tanta energia barata ter consumidores a pagar preços tão altos? A resposta está nos custos de sistema, nas taxas e impostos que representam mais de 40% da fatura final.

Os especialistas apontam para um problema estrutural: o modelo de remuneração das redes e dos serviços de sistema não foi adaptado à nova realidade das renováveis. Continuamos a pagar custos fixos elevadíssimos, herdados de um sistema energético centralizado que já não existe. Enquanto isso, os benefícios da produção mais barata não chegam ao consumidor final.

Outro aspeto frequentemente ignorado é a dependência do gás natural nos momentos em que as renováveis não chegam. Apesar dos avanços no armazenamento, Portugal ainda precisa do gás para garantir a segurança do abastecimento. E o preço do gás, volátil e sujeito a crises geopolíticas, continua a ditar o ritmo das nossas faturas.

As grandes empresas do setor defendem-se argumentando que os investimentos em renováveis exigem retornos garantidos. Os parques eólicos e solares representam investimentos de milhares de milhões que precisam de ser amortizados. Mas será que este modelo de negócio, baseado em subsídios e tarifas garantidas, ainda faz sentido quando os custos de produção caíram drasticamente?

Há quem aponte o dedo à falta de concorrência real no mercado. As mesmas empresas que dominam a produção fóssil são as que controlam as renováveis. Esta concentração de poder permite manter preços artificialmente altos, mesmo quando os custos de produção descem. O consumidor fica refém de um oligopólio que se adapta às novas realidades sem perder rentabilidade.

O caso do hidrogénio verde ilustra bem os paradoxos do sistema. Portugal posiciona-se como líder europeu nesta tecnologia, com projetos ambiciosos e investimentos avultados. Mas enquanto se fala em exportar hidrogénio para a Europa, muitas indústrias nacionais continuam a fechar por causa dos custos energéticos. Estaremos a construir um castelo energético para outros habitarem?

A transição energética tornou-se um negócio lucrativo para alguns, mas uma carga pesada para muitos. Os mecanismos de apoio às renováveis, concebidos há uma década, precisam de ser revistos. A descarbonização não pode ser um pretexto para manter estruturas de custo obsoletas que penalizam os consumidores.

A solução passa por uma reforma profunda do mercado elétrico. Precisamos de separar claramente os custos da produção dos custos do sistema. As redes de distribuição devem ser modernizadas para aproveitar plenamente o potencial das renováveis. E os mecanismos de formação de preços precisam de refletir a nova realidade tecnológica.

Enquanto isso não acontecer, continuaremos a viver este paradoxo: um país rico em energia limpa, com consumidores pobres em capacidade de pagar a sua conta de luz. A verdadeira revolução energética ainda está por fazer – e desta vez, terá de chegar à casa de cada português.

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