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A revolução silenciosa das baterias: como Portugal pode liderar a nova corrida energética

Num armazém industrial em Aveiro, uma equipa de investigadores observa atentamente um cubo metálico do tamanho de uma caixa de sapatos. Dentro dele, uma bateria de fluxo orgânico está a ser submetida a testes rigorosos. Não emite sons, não tem partes móveis, mas poderá ser a chave para resolver um dos maiores desafios das energias renováveis: como armazenar a eletricidade quando o sol não brilha e o vento não sopra.

Esta cena repete-se em laboratórios de norte a sul do país, onde cientistas portugueses estão na vanguarda de uma revolução tecnológica que poucos anteciparam. Enquanto a Europa discute painéis solares e turbinas eólicas, Portugal está a construir silenciosamente uma posição estratégica no mercado global de armazenamento energético, um setor que a BloombergNEF prevê que atinja 1,2 biliões de dólares até 2040.

O paradoxo é evidente: temos dias em que as renováveis produzem mais eletricidade do que consumimos, mas continuamos dependentes do gás natural quando o tempo muda. A solução não está apenas em produzir mais energia limpa, mas em guardá-la inteligentemente. E é aqui que a tecnologia portuguesa está a surpreender o mundo.

Na Universidade do Porto, uma startup desenvolveu um sistema de armazenamento térmico que usa materiais de mudança de fase - substâncias que absorvem ou libertam grandes quantidades de energia quando mudam de estado. Imagine blocos de cera especial que derretem ao armazenar calor e solidificam ao libertá-lo. A simplicidade é enganadora: esta tecnologia pode reduzir em 40% o consumo energético dos edifícios.

Mas as inovações não se limitam aos laboratórios. No Alentejo, uma central solar fotovoltaica acoplou recentemente o maior sistema de baterias de ião-lítio da Península Ibérica. São 64 contentores brancos que parecem caixas de carga, mas que contêm tecnologia suficiente para alimentar 150 mil casas durante uma hora. O projeto, desenvolvido por uma empresa portuguesa em parceria com noruegueses, é um teste real de como integrar armazenamento em larga escala na rede elétrica.

O que torna Portugal particularmente interessante para este setor é a combinação única de fatores: temos uma das redes elétricas mais modernas da Europa, condições excecionais para energias renováveis, e uma comunidade científica que publica regularmente em revistas de topo internacional. Além disso, a nossa posição geográfica - entre a Europa e a África, com acesso ao Atlântico - cria oportunidades únicas para exportar não apenas energia, mas tecnologia.

O governo parece ter percebido o potencial. No Plano Nacional de Energia e Clima 2030, o armazenamento aparece como uma prioridade estratégica, com metas ambiciosas para a próxima década. Mas os especialistas alertam: as regulamentações ainda não acompanharam a velocidade da inovação. Enquanto países como a Alemanha e o Reino Unido criaram mercados específicos para serviços de flexibilidade da rede, Portugal ainda navega em águas regulatórias pouco claras.

O setor privado, no entanto, não espera. Grandes grupos energéticos internacionais estão a estabelecer parcerias com empresas portuguesas, reconhecendo o valor do conhecimento local. Uma multinacional francesa adquiriu recentemente uma participação significativa numa startup de Coimbra que desenvolve baterias de sódio - uma alternativa mais barata e sustentável ao lítio, usando um elemento abundante na água do mar.

Nas zonas rurais, projetos-piloto testam modelos descentralizados. Em Trás-os-Montes, uma cooperativa agrícola instalou baterias de segunda vida - unidades retiradas de carros elétricos que já não servem para mobilidade, mas que ainda têm 70% da sua capacidade. Estas baterias armazenam energia solar durante o dia para alimentar os sistemas de irrigação noturnos, reduzindo a fatura elétrica em 60%.

Os desafios são consideráveis. As baterias ainda são caras, algumas tecnologias estão em fase experimental, e a concorrência global é feroz. A China domina a produção de baterias de ião-lítio, enquanto os Estados Unidos investem massivamente em pesquisa através do Departamento de Energia.

Mas Portugal tem cartas importantes na manga. A nossa indústria de moldes e plásticos - uma das mais competitivas do mundo - está a adaptar-se para produzir componentes para baterias. As nossas universidades formam engenheiros especializados em sistemas energéticos. E temos uma tradição de resolver problemas com recursos limitados, uma habilidade valiosa num setor onde a eficiência é crucial.

O futuro poderá passar por soluções híbridas. Investigadores do Instituto Superior Técnico estão a trabalhar num sistema que combina baterias, hidrogénio verde e armazenamento gravitacional - basicamente, usar o excesso de energia para levantar pesos que depois geram eletricidade ao descer. Soa a ficção científica, mas os protótipos já existem.

Enquanto escrevo estas linhas, chega a notícia de que um consórcio luso-espanhol ganhou um financiamento europeu de 12 milhões de euros para desenvolver baterias de zinco-ar, uma tecnologia promissora para armazenamento de longa duração. É mais uma peça no puzzle que Portugal está a montar.

A corrida energética do século XXI não se ganha apenas a produzir eletricidade, mas a geri-la com inteligência. Nas salas silenciosas dos nossos laboratórios, nos campos alentejanos onde as baterias conversam com os painéis solares, nas fábricas que se reconvertem para novas tecnologias, Portugal está a escrever um capítulo surpreendente desta história. A pergunta não é se seremos relevantes no mercado global de armazenamento, mas quão relevantes queremos ser.

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