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O paradoxo do crédito em Portugal: por que os portugueses continuam a pedir empréstimos mesmo com taxas mais altas

Num cenário económico onde as taxas de juro subiram como foguetes e a inflação continua a morder as carteiras, os portugueses mantêm uma relação peculiar com o crédito. Enquanto os bancos apertam os critérios e os reguladores alertam para os riscos, as famílias continuam a bater às portas das instituições financeiras. Esta aparente contradição esconde uma realidade complexa que vai muito além dos números frios dos relatórios trimestrais.

Nas ruas de Lisboa e Porto, encontramos histórias que desafiam a lógica económica convencional. Maria, 42 anos, mãe solteira de dois filhos, acabou de contrair um empréstimo pessoal para renovar a casa. "Sei que as taxas estão altas, mas a humidade estava a afetar a saúde dos meus filhos. Entre pagar mais juros ou ver os meus filhos com problemas respiratórios, a escolha foi fácil", conta enquanto mostra as paredes agora livres de bolor. O seu caso ilustra como o crédito deixou de ser apenas uma ferramenta de consumo para se tornar uma necessidade básica em muitas situações.

Os dados do Banco de Portugal revelam um aumento surpreendente no volume de crédito às famílias nos últimos meses, apesar do endurecimento das condições. Especialistas apontam para um fenómeno que chamam de "crédito de sobrevivência" - empréstimos que não servem para comprar carros ou fazer férias, mas sim para cobrir despesas essenciais que os salários já não conseguem suportar. A subida dos preços da energia, alimentação e habitação criou um fosso entre o que as famílias ganham e o que precisam para viver com dignidade.

O setor imobiliário continua a ser o grande motor do crédito, mas com características diferentes das do boom anterior à crise. Agora, não são apenas os jovens casais a comprar primeira casa, mas também pessoas na casa dos 50 e 60 anos a refinanciar ou a comprar propriedades como forma de proteger poupanças da inflação. "Vejo cada vez mais pessoas que herdaram algum dinheiro e preferem investir em imóveis do que deixar o dinheiro a desvalorizar no banco", explica Carlos Silva, mediador de crédito com 15 anos de experiência.

A digitalização trouxe novas dinâmicas ao mercado. As fintechs e plataformas online estão a ganhar terreno aos bancos tradicionais, oferecendo processos mais ágeis e, em alguns casos, condições mais vantajosas. No entanto, este novo ecossistema traz também novos riscos. A facilidade de acesso pode levar a decisões precipitadas, e a falta de aconselhamento personalizado pode resultar em escolhas inadequadas para o perfil de cada pessoa.

Os especialistas alertam para o que chamam de "bolha do crédito fácil". Enquanto as instituições competem por clientes, os consumidores podem cair na armadilha de contrair mais dívida do que conseguem gerir. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários já emitiu alertas sobre o crescimento do crédito ao consumo, particularmente em modalidades como os cartões de crédito e empréstimos pessoais de curto prazo.

A psicologia por trás das decisões de crédito revela-se fascinante. Estudos mostram que em períodos de incerteza económica, as pessoas tendem a valorizar mais o presente do que o futuro, levando a decisões de consumo imediatista. "Quando as pessoas sentem que o futuro é imprevisível, preferem satisfazer necessidades imediatas, mesmo que isso signifique endividar-se", explica a psicóloga económica Ana Mendes.

O crédito transformou-se também numa ferramenta de mobilidade social. Para muitas famílias de classes média e baixa, o acesso ao empréstimo é a única forma de investir em educação, saúde ou melhorar as condições de habitação. "Sem crédito, não teria conseguido que o meu filho frequentasse a universidade", partilha João, empregado de mesa de 48 anos. O seu filho é agora engenheiro informático, um salto geracional que foi possível graças a um empréstimo educativo.

As instituições financeiras, por seu lado, navegam entre a necessidade de conceder crédito para manter o negócio e o imperativo de gerir riscos. Os departamentos de compliance estão sob pressão para equilibrar estas duas forças, enquanto os comerciais sentem a pressão das metas de venda. Este conflito interno reflete-se nas condições oferecidas aos clientes e na forma como o risco é avaliado.

O futuro do crédito em Portugal dependerá de vários fatores, desde a evolução das taxas de juro até às políticas de habitação e emprego. O que parece claro é que o crédito deixou de ser um mero instrumento financeiro para se tornar um elemento central na vida económica e social dos portugueses. A forma como gerimos esta relação determinará não apenas a saúde financeira das famílias, mas também o desenvolvimento económico do país nos próximos anos.

Enquanto isso, nas ruas, nas casas, nos escritórios, os portugueses continuam a fazer as suas contas, a pesar prós e contras, a tomar decisões que afetarão o seu futuro. O crédito, com todas as suas complexidades e paradoxos, tornou-se parte inseparável do tecido social português, moldando sonhos, resolvendo problemas e, por vezes, criando novos desafios. A história continua a escrever-se, um empréstimo de cada vez.

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