O lado sombrio do crédito ao consumo: como as taxas ocultas estão a estrangular as famílias portuguesas
Num país onde o salário médio ronda os mil euros, o crédito ao consumo transformou-se numa espécie de vício coletivo. As prateleiras das lojas estão repletas de eletrodomésticos brilhantes, smartphones de última geração e sofás que prometem conforto eterno. O que não se vê são as pequenas letras dos contratos, onde se escondem armadilhas financeiras que mantêm milhões de portugueses presos num ciclo de endividamento.
As financeiras aprenderam a arte da sedução. Oferecem taxas de juro aparentemente baixas nos primeiros meses, apenas para as triplicar quando o cliente menos espera. "É como pescar com isco fresco", confessa-nos um antigo gestor de uma grande instituição de crédito que pediu anonimato. "Damos-lhes a sensação de que estão a conseguir um grande negócio, quando na realidade estamos a preparar a rede que os vai apanhar."
Nos últimos três anos, o volume de crédito ao consumo em Portugal aumentou 34%. Parece um sinal de recuperação económica, mas os números contam apenas metade da história. A outra metade está nas salas de espera das associações de apoio ao sobreendividado, onde famílias inteiras confessam não conseguir dormir à noite, atormentadas pelas chamadas incessantes dos cobradores.
A legislação portuguesa tem lacunas que as financeiras exploram com precisão cirúrgica. Enquanto os créditos hipotecários estão relativamente bem regulados, o crédito ao consumo navega num mar cinzento de interpretações. As comissões de manutenção, os seguros obrigatórios e as penalizações por pagamento antecipado transformam-se em fontes de receita obscuras que raramente são explicadas ao cliente no momento da assinatura.
Maria, 42 anos, assistente administrativa em Lisboa, é um exemplo vivo deste sistema. Contratou um crédito de 3.000 euros para comprar um computador para o filho que entrava na universidade. "Parecia simples: 60 meses, 70 euros por mês", recorda. O que não lhe disseram foi que, ao final de cinco anos, teria pago quase o dobro do valor inicial. "Sinto-me enganada, mas assinei os papéis. A culpa é minha, não é?"
Esta narrativa de culpa individual é precisamente o que o sistema bancário prefere. Transforma vítimas de práticas comerciais agressivas em devedores irresponsáveis. Enquanto isso, os lucros das principais instituições de crédito ao consumo em Portugal cresceram em média 22% no último ano, segundo dados do Banco de Portugal.
A tecnologia trouxe novas formas de endividamento. As compras em prestações com um clique, os cartões de crédito virtuais e os empréstimos instantâneos via aplicação móvel criaram uma geração de "devedores digitais". São jovens entre os 25 e os 35 anos, com empregos precários, que acumulam dívidas como se fossem pontos num jogo de vídeo.
"O problema não é o crédito em si", defende Eduardo Costa, economista especializado em finanças pessoais. "O crédito pode ser uma ferramenta útil quando bem utilizado. O problema é a falta de educação financeira combinada com práticas comerciais que beiram a predação." Costa lidera um movimento que exige a criação de uma "licença para endividar-se", semelhante ao exame de condução, mas para produtos financeiros.
Enquanto a discussão política avança a passo de caracol, as famílias portuguesas continuam a afundar-se. O número de processos de insolvência pessoal aumentou 18% no último trimestre, e os especialistas alertam para uma "bomba-relógio" social que pode explodir com a próxima crise económica.
Nas periferias das grandes cidades, surgiram economias paralelas baseadas no crédito. Lojas que aceitam pagamentos em prestações até para produtos básicos como alimentos e medicamentos. São os "agiotas legais", como lhes chamam os sociólogos, que lucram com a necessidade imediata das famílias mais vulneráveis.
A solução, defendem os ativistas, passa por três eixos: regulação mais rigorosa, educação financeira desde a escola primária e criação de alternativas de crédito cooperativo. Em Espanha, as "finanças éticas" já representam 8% do mercado. Em Portugal, mal chegam a 1%.
Enquanto isso, nas sedes vidradas das financeiras, os quadros com os "melhores vendedores do mês" continuam a ser atualizados. Cada nome representa centenas de contratos assinados, cada contrato uma família que, talvez sem saber, acabou de entrar num labirinto do qual pode levar anos a sair.
O crédito ao consumo deixou de ser um instrumento económico para se transformar numa questão de saúde pública. As consultas por ansiedade e depressão relacionadas com problemas financeiros aumentaram 40% nos centros de saúde. São as cicatrizes invisíveis de uma guerra silenciosa que se trava todos os dias nas cozinhas portuguesas, entre a necessidade e a dívida, entre a dignidade e a sobrevivência.
As financeiras aprenderam a arte da sedução. Oferecem taxas de juro aparentemente baixas nos primeiros meses, apenas para as triplicar quando o cliente menos espera. "É como pescar com isco fresco", confessa-nos um antigo gestor de uma grande instituição de crédito que pediu anonimato. "Damos-lhes a sensação de que estão a conseguir um grande negócio, quando na realidade estamos a preparar a rede que os vai apanhar."
Nos últimos três anos, o volume de crédito ao consumo em Portugal aumentou 34%. Parece um sinal de recuperação económica, mas os números contam apenas metade da história. A outra metade está nas salas de espera das associações de apoio ao sobreendividado, onde famílias inteiras confessam não conseguir dormir à noite, atormentadas pelas chamadas incessantes dos cobradores.
A legislação portuguesa tem lacunas que as financeiras exploram com precisão cirúrgica. Enquanto os créditos hipotecários estão relativamente bem regulados, o crédito ao consumo navega num mar cinzento de interpretações. As comissões de manutenção, os seguros obrigatórios e as penalizações por pagamento antecipado transformam-se em fontes de receita obscuras que raramente são explicadas ao cliente no momento da assinatura.
Maria, 42 anos, assistente administrativa em Lisboa, é um exemplo vivo deste sistema. Contratou um crédito de 3.000 euros para comprar um computador para o filho que entrava na universidade. "Parecia simples: 60 meses, 70 euros por mês", recorda. O que não lhe disseram foi que, ao final de cinco anos, teria pago quase o dobro do valor inicial. "Sinto-me enganada, mas assinei os papéis. A culpa é minha, não é?"
Esta narrativa de culpa individual é precisamente o que o sistema bancário prefere. Transforma vítimas de práticas comerciais agressivas em devedores irresponsáveis. Enquanto isso, os lucros das principais instituições de crédito ao consumo em Portugal cresceram em média 22% no último ano, segundo dados do Banco de Portugal.
A tecnologia trouxe novas formas de endividamento. As compras em prestações com um clique, os cartões de crédito virtuais e os empréstimos instantâneos via aplicação móvel criaram uma geração de "devedores digitais". São jovens entre os 25 e os 35 anos, com empregos precários, que acumulam dívidas como se fossem pontos num jogo de vídeo.
"O problema não é o crédito em si", defende Eduardo Costa, economista especializado em finanças pessoais. "O crédito pode ser uma ferramenta útil quando bem utilizado. O problema é a falta de educação financeira combinada com práticas comerciais que beiram a predação." Costa lidera um movimento que exige a criação de uma "licença para endividar-se", semelhante ao exame de condução, mas para produtos financeiros.
Enquanto a discussão política avança a passo de caracol, as famílias portuguesas continuam a afundar-se. O número de processos de insolvência pessoal aumentou 18% no último trimestre, e os especialistas alertam para uma "bomba-relógio" social que pode explodir com a próxima crise económica.
Nas periferias das grandes cidades, surgiram economias paralelas baseadas no crédito. Lojas que aceitam pagamentos em prestações até para produtos básicos como alimentos e medicamentos. São os "agiotas legais", como lhes chamam os sociólogos, que lucram com a necessidade imediata das famílias mais vulneráveis.
A solução, defendem os ativistas, passa por três eixos: regulação mais rigorosa, educação financeira desde a escola primária e criação de alternativas de crédito cooperativo. Em Espanha, as "finanças éticas" já representam 8% do mercado. Em Portugal, mal chegam a 1%.
Enquanto isso, nas sedes vidradas das financeiras, os quadros com os "melhores vendedores do mês" continuam a ser atualizados. Cada nome representa centenas de contratos assinados, cada contrato uma família que, talvez sem saber, acabou de entrar num labirinto do qual pode levar anos a sair.
O crédito ao consumo deixou de ser um instrumento económico para se transformar numa questão de saúde pública. As consultas por ansiedade e depressão relacionadas com problemas financeiros aumentaram 40% nos centros de saúde. São as cicatrizes invisíveis de uma guerra silenciosa que se trava todos os dias nas cozinhas portuguesas, entre a necessidade e a dívida, entre a dignidade e a sobrevivência.