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O lado oculto do crédito em Portugal: histórias que os bancos não contam

Num país onde o crédito ao consumo cresceu 7,3% no último ano, segundo dados do Banco de Portugal, há histórias que ficam escondidas nos relatórios trimestrais. Enquanto os números oficiais mostram uma recuperação económica, milhares de portugueses enfrentam realidades paralelas nos corredores dos bancos e nas salas de reuniões das financeiras.

A Maria, 54 anos, enfermeira num hospital público do Porto, é uma dessas histórias. Após contrair um empréstimo pessoal para pagar a cirurgia da mãe, viu-se presa numa espiral de juros que a levou a trabalhar dois turnos durante oito meses seguidos. "Pedi 5.000 euros e já paguei quase 8.000, mas ainda devo 3.000", conta, enquanto espera na fila do multibanco para fazer mais uma transferência. A sua história não aparece nas estatísticas do crédito bonificado, mas representa uma realidade cada vez mais comum.

Nos bastidores do sistema financeiro português, especialistas alertam para um fenómeno preocupante: a normalização do endividamento de longo prazo. "Criámos uma geração que considera normal pagar um carro durante sete anos ou uma viagem durante dezoito meses", explica Ricardo Silva, economista que estudou o comportamento de crédito em Portugal durante a última década. Os dados confirmam: 68% dos portugueses entre os 25 e os 45 anos têm pelo menos um crédito ativo, segundo um estudo recente da Deco.

Mas há uma revolução silenciosa a acontecer nas periferias das cidades. Cooperativas de crédito local, muitas vezes ignoradas pelos grandes meios de comunicação, estão a oferecer alternativas com taxas até 40% mais baixas que os bancos tradicionais. Em Braga, a Cooperativa de Crédito do Minho já financiou mais de 200 pequenos negócios este ano, com uma taxa de incumprimento de apenas 1,2%. "Trabalhamos com pessoas, não com números", diz António Mendes, presidente da instituição.

O digital trouxe também novas oportunidades e novos perigos. As fintechs portuguesas já concederam mais de 300 milhões de euros em crédito este ano, segundo a Associação Portuguesa de Fintech. Plataformas como a CrediLink prometem aprovação em 15 minutos, mas especialistas alertam para os riscos da desintermediação. "Quando não há um gestor de conta a olhar nos olhos do cliente, perde-se a capacidade de avaliar situações complexas", adverte Sofia Martins, professora de finanças na Universidade Nova.

Nos subúrbios de Lisboa, uma nova economia informal de crédito está a florescer. Grupos de poupança rotativa, conhecidos como "tandas" nas comunidades imigrantes, movimentam milhões de euros fora do sistema bancário tradicional. "Juntamo-nos 12 pessoas, cada uma põe 100 euros por mês, e todos os meses alguém leva os 1.200 euros", explica Carla, cabo-verdiana que vive em Chelas há 20 anos. Este sistema, que não aparece em nenhum relatório do Banco de Portugal, financia desde pequenos negócios a emergências familiares.

A regulação tenta acompanhar estas mudanças. A nova diretiva europeia sobre crédito ao consumo, que entra em vigor no próximo ano, promete maior transparência nas taxas de juro e nas comissões. Mas os críticos apontam falhas: "A legislação foca-se nos grandes players e ignora os mercados paralelos que crescem nas margens do sistema", comenta Pedro Costa, advogado especializado em direito bancário.

Nas zonas rurais, o acesso ao crédito continua a ser um desafio. Com o encerramento de mais de 30% das agências bancárias no interior nos últimos cinco anos, muitos agricultores e pequenos empresários dependem de intermediários que cobram comissões abusivas. "Para conseguir 10.000 euros para comprar um tractor, tive de pagar 800 euros a um 'facilitador' que conhecia o gerente do banco", relata João, agricultor do Alentejo.

O futuro do crédito em Portugal passa por um equilíbrio delicado entre inovação e proteção ao consumidor. Enquanto as criptomoedas e os empréstimos peer-to-peer ganham terreno, os portugueses mais vulneráveis continuam a precisar de redes de segurança. "O crédito não é bom nem mau por si só", reflete a socióloga Inês Oliveira. "É uma ferramenta que pode libertar ou aprisionar, dependendo de quem a usa e de como é regulada."

Nas próximas semanas, o Parlamento discutirá novas medidas para proteger os consumidores de crédito. Enquanto isso, nas cozinhas, nos cafés e nos locais de trabalho por todo o país, continuam as conversas sobre juros, prestações e sonhos adiados. A verdadeira história do crédito em Portugal não se escreve nos balanços dos bancos, mas nestes espaços do dia-a-dia, onde as decisões financeiras moldam vidas inteiras.

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