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O lado oculto do crédito: como os bancos portugueses estão a reinventar as regras do jogo

Nas últimas semanas, enquanto os portugueses se debatem com as subidas das taxas de juro, algo mais subtil tem estado a acontecer nos bastidores do sistema financeiro. Não se trata apenas dos números que aparecem nos extratos bancários, mas de uma transformação silenciosa na forma como o crédito é concedido, avaliado e, em alguns casos, negado.

Os dados mais recentes do Banco de Portugal revelam uma realidade paradoxal: apesar do aumento generalizado das taxas de Euribor, o volume total de crédito à habitação manteve-se estável. Como é possível? A resposta está nas novas estratégias que os bancos desenvolveram para continuar a emprestar sem aumentar o risco aparente. Desde critérios de avaliação mais flexíveis até produtos híbridos que misturam características de vários tipos de crédito, o mercado transformou-se num laboratório de inovação financeira.

Um dos fenómenos mais interessantes tem sido o ressurgimento dos créditos com taxa mista, mas com uma nova roupagem. Em vez das tradicionais opções entre taxa fixa e variável, os bancos estão a oferecer produtos que começam com períodos de taxa fixa mais longos - até sete anos - antes de transitarem para a variável. Esta abordagem permite às famílias preverem as suas despesas durante um período crítico, enquanto dá aos bancos a segurança de que, quando a taxa se tornar variável, os clientes já terão amortizado parte significativa do empréstimo.

Mas nem tudo são rosas neste novo cenário. As comissões e os seguros associados aos créditos tornaram-se mais complexos e, em alguns casos, mais caros. Um estudo recente da DECO alerta para o aumento das chamadas 'comissões de processamento' e 'taxas de manutenção de conta' que, somadas, podem representar um custo adicional de centenas de euros por ano. O pior é que muitos destes custos não são devidamente explicados no momento da contratação, aparecendo apenas nas letras pequenas dos contratos.

Outra tendência preocupante é o crescimento dos créditos pessoais para consolidar dívidas. Com as famílias a sentir o aperto no orçamento devido à inflação, muitos recorrem a empréstimos pessoais para pagar cartões de crédito e outras dívidas de consumo. O problema é que estas operações, apesar de aliviarem a pressão a curto prazo, muitas vezes resultam em pagamentos de juros mais elevados a longo prazo. Os bancos, conscientes desta dinâmica, têm desenvolvido produtos específicos para este mercado, com campanhas publicitárias agressivas que prometem 'liberdade financeira' através da consolidação de dívidas.

No sector empresarial, a situação é igualmente complexa. As PME portuguesas enfrentam dificuldades crescentes no acesso ao crédito, especialmente as que operam em sectores considerados de maior risco, como o retalho tradicional e a restauração. Os bancos, por seu lado, argumentam que estão apenas a ser prudentes num ambiente económico incerto. Esta tensão entre a necessidade de financiamento das empresas e a aversão ao risco dos bancos criou um mercado paralelo de financiamento alternativo, onde as fintechs e os fundos de private equity ganham cada vez mais terreno.

Curiosamente, esta fragmentação do mercado de crédito pode estar a criar oportunidades inesperadas. Alguns analistas defendem que a entrada de novos players, menos burocráticos e mais ágeis, pode forçar os bancos tradicionais a repensarem os seus modelos de negócio. Já se começam a ver sinais desta mudança, com alguns bancos a lançarem plataformas digitais que prometem aprovar créditos em 24 horas, algo impensável há apenas cinco anos.

O que significa tudo isto para o consumidor comum? Em primeiro lugar, que precisa de estar mais informado e atento do que nunca. As opções são mais numerosas e complexas, o que exige uma comparação cuidadosa antes de qualquer decisão. Em segundo lugar, que o diálogo com o banco deve ser mais assertivo - questionar comissões, negociar condições e pedir explicações claras sobre todos os custos envolvidos já não é apenas um direito, mas uma necessidade.

Finalmente, importa lembrar que o crédito, quando bem utilizado, continua a ser uma ferramenta poderosa para realizar projetos e superar dificuldades financeiras. O desafio está em navegar este novo panorama com os olhos bem abertos, reconhecendo tanto as oportunidades como os riscos. Afinal, como diz o velho provérbio financeiro: 'o diabo está nos detalhes' - e no mundo do crédito moderno, os detalhes multiplicaram-se.

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